Sociedade
"O design está a ser colocado perante um grande desafio"
Bárbara Coutinho, a directora do Museu do Design e da Moda (MUDE) fala de uma actividade que deve integrar preocupações sociais e ambientais
Na abertura do MUDE – Museu do Design e da Moda, esteve patente um projecto do Grupo Iberomoldes, da Marinha Grande, relacionado com a produção automóvel. Em geral, a indústria portuguesa tem sabido utilizar o design como forma de se afirmar no mercado internacional?
Vão existindo exemplos desta compreensão do design, não só como disciplina que melhora a forma, ou a embeleza, mas como ferramenta de melhoria do projecto, da produção, da utilização dos recursos humanos e do aperfeiçoamento dos próprios recursos técnicos e materiais. Agora, há um longo caminho a fazer.
O design pode ajudar a revitalizar alguma indústria nacional?
Sim, nomeadamente nos sectores ditos tradicionais, onde felizmente ainda temos um saber humano e técnico muito precioso, ao nível da cerâmica, do vidro, da cortiça, do têxtil, da madeira, e onde é preciso fomentar a formação de novas gerações e fazer mais esta intersecção real entre as escolas e as empresas. A crise de alguma forma ajudou porque veio criar uma situação de necessidade. Ao mesmo tempo, a própria existência do MUDE, e de outras organizações, também ajuda.
Muitos sectores tradicionais estão expostos à concorrência de baixo custo. O design pode ser uma mais valia nesse confronto com concorrentes estrangeiros que optam por outro tipo de produções?
Claro. Aquilo que está a passar-se já muito na Europa é uma afirmação no mercado global pela excelência, qualidade e originalidade. É verdade que estamos numa certa massificação, que resulta da globalização, mas também é verdade que todos nós procuramos aquilo que é específico do local. E sobre essa especificidade, no que diz respeito à produção e ao design português, há uma perspectiva muito positiva, porque inclusive em termos internacionais, o que está a ser valorizado é cada vez mais um design associado às artes aplicadas, ao artesanato, às identidades mais locais, às questões culturais, aos materiais naturais.
Mas há uma identidade própria do design português?
Eu creio que há características e potencialidades na nossa produção, no nosso design, que podem ser uma mais valia para a nossa afirmação económica e identitária. E para a nossa cultura. Isso sim. Há linhas de trabalho que ao serem desenvolvidas com estratégia e com uma relação entre a formação, a produção, a divulgação e a comercialização, podem criar um esteio muito mais forte.
Isso quer dizer que o design, ao relacionar-se com o artesanato, e não só, pode contribuir para preservar, e reinterpretar, algumas tradições locais, que são únicas? Sim. E atenção que é uma mútua aprendizagem. Já não faz sentido um designer mudar a identidade do que está ali. É muito mais um encontro, e uma partilha, que é até uma partilha intergeracional, porque normalmente as pessoas que dominam estes ofícios são pessoas já com outra idade, maturidade e experiência. E essa troca de aprendizagem perante um problema concreto, de um determinado local, responde de uma forma muito mais criativa.
O design de produto em Portugal tem seguido sempre um registo funcional e utilitário ou também temos exemplos de sátira, humor, crítica social?
Temos e ao nível do designgráfico e de comunicação também. E hoje vivemos numa geração em que as várias expressões são todas possíveis. Agora, eu reconheço, mas é uma visão pessoal, que há uma tendência no designportuguês que é mais depurada, por onde passa o presente e o futuro. E aí o design está a ser colocado face a um grande desafio, que é o da sua responsabilidade social, ética, do seu contributo em modelos mais colaborativos, participativos, sustentados, de trabalho em rede. Há muita coisa que está a mudar.
Isso inclui também as questões do ambiente e produtos mais amigos do planeta?
Também. Quando falo de sustentabilidade é sustentabilidade global, pode ser ambiental, económica, social.
Mas na sua visão essas são preocupações prioritárias em qualquer projecto?
Sim. Eu creio que há uma responsabilidade ética e social que está subjacente a qualquer actividade profissional. Então quando estamos a falar numa área que se traduz em serviços, em imagens, em comunicação, em estrutura, não apenas produtos, ainda mais. E tem havido esse sinal. Hoje fala-se muito no doit yourselfe na cultura open source isso também já existe em Portugal e são práticas que vêm debater o próprio modelo de desenvolvimento capitalista e a noção do produto, da mais valia, dos direitos de autor.
E nesse sentido faria falta criar uma entidade reguladora, uma espécie de Ordem do Design?
Não vejo que exista necessidade. As mentalidades vão mais no sentido de trabalhar em rede e de eventualmente existir da parte do Estado uma estratégia clara de incentivo a determinadas áreas consideradas prioritárias para o desenvolvimento do país e onde o design tem um papel absolutamente fundamental.
Acredito que uma das funções do museu é levar as pessoas a olharem para a criação contemporânea numa outras perspectiva. Como é que se faz essa educação de públicos?
Por enquanto está numa fase ainda embrionária. Temos limitações que colocam uma série de condicionantes a desenvolver um trabalho educativo com as escolas. Essa formação e sensibilização foi feita sobretudo através da natureza das exposições, que procurámos sempre que fossem muito universalistas, amplas, que apresentassem diferentes perspectivas do design. Eu espero que o visitante saia com mais questões do que quando entrou. Com algumas certezas, mas mais crítico, mais curioso, mais atento. Mas toda esta acção educativa e formativa vai transformar-se e aumentar quando voltarmos aqui para o edifício, em 2017.
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