Desporto
O futebol enquanto arma política nas aventuras de Alex Oliveira em Erevan
O médio natural da Marinha Grande alinha no FC Noah, vice-campeão da Arménia. O sonho de ser profissional levou-o para o outro lado da Europa, onde permanecem conflitos por resolver
Decorria o mês de Março quando a União de Leiria deixou de jogar porque o Campeonato de Portugal foi interrompido, mas houve competições de destinos esdrúxulos que continuaram. Foi então que os agentes de Alex Oliveira lhe apresentaram uma proposta para ir jogar para o outro lado do continente, mais concretamente para Arménia e para o FC Noah.
Naturalmente, do país pouco tinha ouvido falar. Nem sequer por causa do conflito de Nagorno-Karabakh, território há muito tempo motivo de disputa entre a Arménia e o Azerbaijão.
“Para ser sincero, a primeira coisa que fiz foi ir ver onde ficava, mas estava muito entusiasmado por ir jogar para fora”, admite o rapaz da Marinha Grande. As informações tranquilizaram-no. O clube, formado em 2017, joga no escalão principal do futebol arménio e está sediado na capital, Erevan. “É recente, mas tem grandes ambições”, explica o jogador.
Na época passada, o box-to-box, de 20 anos, ainda chegou a tempo da conquista da Taça e do segundo lugar na Liga. Foi bom, mas o clube “quer mais e melhor do que no ano passado”. Em mente tem apenas e só “o primeiro lugar”, que não está longe.
Numa competição “equilibrada”, a equipa ocupa o sexto lugar, a apenas a três pontos do líder Urartu, mas o chicote já estalou e houve uma substituição do treinador principal. Quanto à Covid-19, a realidade na Arménia não é diferente e tem conquistado terreno nos últimos dias. Por isso, os jogos, que já foram realizados à porta aberta, voltaram a não ter público.
Mas as condições são “excelentes”, apesar de a “cultura de trabalho” ser “diferente”. O futebol, esse, é “mais físico” do que aquele que é jogado em Portugal, explica o jovem, que congelou a matrícula no ensino superior para poder dar seguimento ao sonho.
Conflito activo em Nagorno-Karabakh
O conflito no enclave remonta aos tempos da União Soviética, quando, no final da década de 1980, o território do muçulmano Azerbaijão de Nagorno-Karabakh, povoado principalmente por cristãos arménios, solicitou a sua incorporação na vizinha Arménia, deflagrando uma guerra que causou cerca de 30 mil mortes. No final do conflito, que durou até 1994, as forças arménias assumiram o controlo da região e ocuparam vastos territórios do Azerbaijão, a que chamam “faixa de segurança”. O Azerbaijão afirma que a solução para o conflito com a Arménia passa necessariamente pela libertação dos territórios ocupados, uma exigência que tem sido apoiada por várias resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Por seu lado, a Arménia apoia o direito à autodeterminação de Nagorno-Karabakh e defende a participação de representantes do território separatista nas negociações para a resolução do conflito.
“Sempre tive o sonho de ser profissional e este é um campeonato onde se tem acesso a competições europeias, o que faz com que tenha maior visibilidade”, sublinha o rapaz. Esta temporada, a equipa jogou a primeira ronda de apuramento para a Liga Europa, mas foi eliminada pelo Kairat, no Cazaquistão, por 4-1.
Alex Oliveira sente falta da “família”, dos “amigos”, da “comida” e das “praias”, mas está feliz na capital. Vive com Helistano Manga, com quem jogou na União de Leiria, e no clube alinha também o italiano Valerio Vimercati, que também foi unionista.
“É uma cultura muito diferente, mas o Valerio ajudou-me muito e agora estou bem adaptado.” Vai conseguindo “comunicar bem” em inglês, mas está a aprender russo. O tempo livre passa-o a ver séries, a jogar FIFA e a passear pela cidade.
E sente-se seguro. De Erevan, de resto, só tem a falar bem. “É uma cidade muito povoada, agradável para se viver e o custo de vida é baixo”. O conflito em Nagorno-Karabakh é longe e para já não afecta o dia-a-dia da população da capital.
“Dentro da cidade está tudo dentro da normalidade, fazemos o nosso dia-a-dia sem limitações”, sublinha. Mas o assunto tem relevância extrema no país. De tal forma que o próprio FC Noah lançou uma campanha pela paz e autodeterminação, como atesta a fotografia de Alex Oliveira a pedir mais amor e menos ódio para o território.