Economia
O “Holandês Voador” que é um mestre do restauro
Sander Kuipers dá nova vida a jóias do mundo automóvel
No centro da Boa Vista, a meia-dúzia de quilómetros do centro de Leiria, aninhada entre um ginásio de artes marciais e uma garrafeira encontramos a Auto Sander.
É oficina de mecânica, é oficina de artista e é um lugar que reflecte o amor de um holandês pela beleza e idiossincrasia de máquinas que fizeram e ainda fazem a história do mundo automóvel.
À porta, o perfil felino de um AC Cobra guarda a entrada. O carro de linhas simples, porém marcantes, é uma verdadeira metáfora e um aviso a quem franqueia as portas da oficina de Sander Kuipers.
Aqui, o restauro é uma coisa séria.
“Não é um Shelby AC Cobra original [só há 500 em todo o Mundo], mas é uma das primeiras réplicas criadas desse carro lendário, por um dos antigos colaboradores do fundador da marca Carroll Shelby”, explica o restaurador.
Faltavam alguns refinamentos e pormenores ao carro, que Kuipers, prontamente, acedeu rever e afinar, fazendo, para isso, uma extensa pesquisa, ao ponto de procurar - e encontrar - um volante de madeira semelhante ao original ou um espelho retrovisor que parece ter acabado de sair da fábrica, vindo directamente do final dos anos 60.
“Tem o motor Ford V8 correcto, mas, mesmo assim, é um trabalho de paciência”, admite o mecânico. Na oficina/atelier de artesão de Sander, há vários modelos que fizeram a história dos automóveis no último século, todos em diferentes estádios de acabamento e nenhum finalizado.
À vista, há um 2CV, há um Simca 1000, há um Peugeot 404, datado de 1966, e até um Fiat 127 Abarth. No mundo automóvel nacional, Sander Kuipers é também conhecido pela sua perícia ao volante de um Fiat 127, com que entra em provas automobilísticas. Ganhou o cognome de “O Holandês Voador”.
“Deve ser porque gosto de acelerar”, ri-se.
Hoje, o 127 está estacionado à porta, em configuração de ir ao supermercado, mas, se for preciso, em pouco tempo estará pronto a acelerar pelo asfalto e queimar borracha.
Já o referimos. Sander é um artesão. Boa parte das peças que emprega são moldadas à mão com o auxílio de um assistente. O mecânico transfigura-se em mestre de artes antigas.
Molda chapa, cria peças, revê mecânica, afina os componentes electrónicos e eléctricos. O cuidado com o restauro chega ao ponto de verificar se a alcatifa utilizada para forrar uma bagageira é ou não contemporânea do carro. Se não é, remove-se e coloca-se uma mais adequada.
A maior parte dos clientes da Auto Sander são pessoas que, ou por coleccionismo, ou por razões sentimentais, pretendem restaurar e colocar a andar um carro parado há décadas, que foi do pai e faz parte das recordações de férias de infância ou de distantes idas ao Algarve.
Há até casos de veículos cujos proprietários adquiriram com o fito de os recuperarem pelas suas próprias mãos, mas que, por não terem tempo, acabaram por entregá-los nas mãos do mestre holandês.
Por vezes (muitas vezes), chegam desmontados como se fossem um enorme puzzle.
“É preciso perceber onde encaixam as peças, criar fichas e suportes, pedir conselhos a outros mecâ- nicos que conhecem os modelos e as marcas e os seus segredos.”
O restauro de um clássico não é um trabalho que se possa encomendar com um prazo definido. O tempo que demora a tarefa pode ser de largos meses, na melhor das hipóteses, mas, normalmente, é de anos.
Há peças que não existem e têm de ser fabricadas, há outras que, existindo, são difíceis de encontrar e, muitas vezes, é necessário também restaurar esses componentes raros. “Gosto que os clientes passem por cá para verem como evoluem os trabalhos.
Também lhes vou enviando fotografias com os progressos, mas prefiro fazer as coisas apenas com a minha equipa”, sublinha Sander Kuipers.
Concluído o restauro, maioritariamente, os carros destinam-se a passeios de fim-de-semana, mas há quem peça ao restaurador que os prepare para competição... em provas de clássicos, claro.
Antes de abrir as portas da Auto Sander a novo candidato a carro clássico, o mecânico avalia exaustivamente o desafio que tem à sua frente.
Aceita apenas aqueles com os quais sente afinidade e paixão. Não obstante, a lista de espera vai aumentando.
“Os restauros podem ser feitos por etapas. Estabelecemos um objectivo e concretizamo-lo. Depois, o carro regressa ao dono e, quando ele entender, passamos para o objectivo seguinte.”
Suavizam-se, assim, os custos e dá-se tempo para encontrar peças essenciais. E a paciência é crucial para encontrar peças para carros como o Hupmobile, de 1928, que saiu das suas mãos há pouco tempo.
Foi o mais antigo que restaurou até hoje. “Era uma marca de Detroit que, depois, foi comprada pela Oldsmobile. Eram enormes e lindos. O que passou por aqui esteve 17 anos parado, porque ninguém o conseguia colocar a funcionar.
Quando consegui, senti que tinha viajado até 1928!”
Na pista, Sander Kuipers pode ter ganhado o cognome de “Holandês Voador”, mas, os seus restauros são feitos com tempo e saber.
A pressa é má para o negócio, especialmente, quando se sabe que o material tem sempre razão e que os detalhes são a fronteira que separa um trabalho bem executa do do desastre.
Há 20 anos em Portugal
Sander Kuipers, agora com 48 anos, é natural do Município de Drontem, na província de Flevoland, no centro dos Países Baixos, que fica 12 metros abaixo do nível do mar, e a mecânica automóvel foi sempre a sua vocação.
“Desde pequeno que os meus brinquedos eram os carros. Aos 12 anos, já andava a fazer coisas numa oficina.” Há 25 anos, no âmbito de uma viagem a conhecer a Europa, o holandês Sander Kuipers chegou a Portugal.
Na quinta de um conterrâneo, em Évora, encontrou um mecânico que lhe explicou o quão fácil seria abrir uma oficina em Portugal. Muito mais fácil do que nos Países Baixos e com menos burocracia.
“Eu queria trabalhar um ano fora do meu país e fiquei a pensar em Portugal e no Alentejo. Acabei os estudos e o curso em Engenharia Automóvel e, em 1999, voltei”, conta. Acabaria por se fixar em Leiria, onde trabalhou na Lubrigaz, concessionário Volkswagen.
“Desde os meus 28 anos que me fixei aqui. A passagem pela oficina da Lubrigaz foi muito importante para aprender a língua e, sobretudo, os termos técnicos e da mecânica”, explica.
A marca alemã não tinha segredos para o jovem Sander que trabalhara em oficinas da marca na terra-natal. Passou ainda por mais duas outras oficinas antes de se estabelecer por conta própria.
Em 2003, tinha o seu próprio espaço, onde se dedicava apenas à mecânica e à electrónica. “Desde esses tempos que comecei a criar uma ligação com os clássicos, até que, há cinco anos, decidi especializar-me e reparar e restaurar apenas automóveis com história.”