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Omnilab. Há uma nova geração de músicos em Leiria e quatro temas já gravados com artistas da Omnichord

8 set 2023 17:43

A primeira residência de criação Omnilab juntou em Leiria jovens dos 15 aos 22 anos que trabalharam com músicos profissionais. “Foi incrível!”

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Esta manhã, no Serra: todo o grupo
Jornal de Leiria

Existe uma linha de continuidade (e mais de duas décadas) entre os primeiros ensaios de Silence 4 – a banda fundada por David Fonseca, até hoje o projecto pop rock mais bem sucedido de sempre com origem em Leiria, de que os mais novos conhecem, provavelmente, nada ou quase nada, mesmo os que vivem na cidade – e as sessões do primeiro Omnilab, residência de criação dinamizada pela Omnichord em que participaram, nos últimos dias, uma dezena de jovens com idades entre os 15 e os 22 anos.

O capítulo de abertura do Omnilab decorreu durante uma semana nas instalações do Grupo Movicortes na Reixida, onde, ainda no século XX, os Silence 4 discretamente começaram a caminhada para o topo das tabelas de vendas à boleia do álbum Silence Becomes It e, em especial, do singleA Little Respect”, no mesmo espaço que agora alberga o Serra, ecossistema de indústrias criativas em que se incluem salas de ensaio e estúdios utilizados por artistas da editora Omnichord, a geração seguinte, pós-Silence 4, constituída, entre outros, pelo colectivo First Breath After Coma, que emprestou dois elementos para serem, então, mentores da mais recente geração de músicos em Leiria, seleccionados para o Omnilab através de open call, entre 30 candidatos.

À saída, o resultado de uma experiência tão emocional como profissional – mais adiante se verá porquê – é, por um lado, a co-criação, gravação e produção de quatro novas canções (duas versões e dois temas originais) que vão ser disponibilizadas online nas plataformas digitais, e, por outro, o que se afigura como um novo momento de passagem de testemunho entre gerações: do período Silence 4, Phase e The Allstar Project para a fase Nice Weather For Ducks, First Breath After Coma e Surma, e, agora, para algo certamente diferente, com caminho por desbravar, personificado pelos 10 primeiros alunos e pioneiros da escola Omnilab.

Pelo meio, conversas. Livres, sumarentas. Com convidados tão especiais como Fernando Ribeiro (Moonspell), David Santos (Noiserv), Débora Umbelino (Surma), Jorri (A Jigsaw, Blue House), Luís Jerónimo (Nice Weather For Ducks, Obaa Sima, Jeronimo), Paulo Mouta Pereira (The Happy Mess, David Fonseca), Hugo Ferreira (Omnichord), João Diogo (designer gráfico) e dois elementos dos Unsafe Space Garden, que se juntaram, durante o jantar, com os formandos do Omnilab, para falar de tudo o que implica ser músico e viver na música e da música, desde a composição ao mercado.

Muitos deles diziam ontem: “Nós começámos a fazer música por causa dos First Breath e da Surma. É muito curioso notar que esta nova geração de músicos é influenciada como o pessoal do catálogo da Omnichord foi [influenciado] pelos Allstar, pelos Phase, pelo David e pelos Silence 4”, comenta Hugo Ferreira, fundador da Omnichord, editora com sede em Leiria, que também representa, entre outros, Whales, Nuno Rancho, Sfistikated, Labaq e 5ª Punkada.

Com alimentação e alojamento incluídos, o laboratório musical avançou com os formandos distribuídos por dois grupos, ambos com voz, guitarra, teclas, baixo e bateria. Rui Gaspar e Pedro Marques (músicos de First Breath After Coma) orientaram o grupo Casota, com André, Duarte, Gui, Matilde e Leonardo (o único que não é de Leiria, mora em Pombal) a criarem uma versão para o tema “Maasai”, de Surma, e, ainda, uma canção original. Balanço à queima-roupa para o gravador do JORNAL DE LEIRIA: “Incrível!”. O mesmo objectivo superou o grupo Balneário, coordenado por Filipe Rocha (Sean Riley & The Slowriders, The Legendary Tigerman) e Nuno Rancho (Few Fingers, Jeronimo), com Henrique, Francisco, Miguel, Tomás e Zara a gravarem um tema original e uma versão para “On the Sand by the Sea”, dos Nice Weather For Ducks. Estão convencidos que o melhor ainda está para vir: “Acho que vão sair daqui muitas bandas. E muitos projectos”.

Os quatro temas serão distribuídos nas plataformas digitais muito em breve. Bastará pesquisar por Omnilab.

Nos próximos dias, há TPC, trabalho de casa. “Vão continuar o trabalho, que é criar uma capa e ainda que fora daqui estarão a acompanhar todo este processo de pré-lançamento e produção”, explica Hugo Ferreira.

A semana vivida em conjunto, sem ir a casa, em aprendizagem intensiva, permitiu-lhes viajar do zero ao mercado, ou seja, contemplou criação, improviso, composição, ensaio em colectivo, gravação, produção e também aspectos relacionados com a edição, a distribuição e a promoção, o negócio. “Todos os convidados trouxeram uma abordagem diferente”, conclui o patrão da Omnichord.

Logo no primeiro dia, o primeiro desafio: alguns participantes nem se conheciam e em geral ouvem música tão diferente como pop ligeira portuguesa, jazz, electrónica, stoner rock ou indie.

“Em relação aos [temas] originais, optámos por um dia de jam”, detalha Filipe Rocha. “Fizeram cinco, seis ideias; no dia a seguir picou-se a ideia que parecia fazer mais sentido. O passo a seguir, que foi talvez o mais complicado, foi definir uma estrutura para se poder começar a gravar”.

E na manhã desta sexta-feira, no Serra, finalmente o sentimento de dever cumprido. “Fazer um tema, do nada, de raiz, pessoas que não se conhecem, e ao fim de três dias estar fechado e misturado.... Estou super orgulhoso”, admite o antigo músico de Phase e The Allstar Project. “E, para mim o mais importante, com toda a gente satisfeita no processo”. Um comentário de um dos elementos do grupo Balneário serve de prova ao efeito transformador da experiência: “O Miguel ontem dizia: “Eu pensava que isto ia ser a melhor semana da minha vida e saio daqui a achar que foi a melhor semana da minha vida”.

Também do lado da Omnichord as sensações são boas. “Era um sonho que nós tínhamos e que fomos criando e [vêmo-lo] tornado realidade com bom ambiente e energia positiva”, salienta Filipe Rocha. “A nossa geração tinha uma maneira um bocadinho diferente de fazer as coisas”, admite, “tínhamos uma rivalidade meio parva” com as outras bandas. Os primeiros alunos do Omnilab são o oposto e a atitude deles resume-se numa palavra: “Cumplicidade”.

“O que sai daqui nós temos noção. Sai daqui uma pequena comunidade”, reforça Hugo Ferreira. “Destes dez, há pelo menos quatro ou cinco que se não seguirem música é um crime absoluto. Eu diria quase os dez”.

Hugo Ferreira destaca, por outro lado, o desempenho dos elementos mais novos, e em especial, das duas adolescentes do sexo feminino, que “trouxeram personalidade, maturidade e capacidade de trabalho”.

Ao longo de dias e noites em que tanto são assunto os aspectos técnicos como a capacidade de conviver na estrada durante 12 horas numa carrinha, “eles apercebem-se que ser músico é uma profissão como outra qualquer”, pela “dedicação” e “empenho que exige”, conclui Hugo Ferreira.

Outro fruto do Omnilab é o contributo para consolidar “o impulso para a criação permanente”, acrescenta Pedro Marques, dos First Breath After Coma, mentor do grupo Casota.

Quanto às versões, prova superada. “Essa parte, na verdade, até me comoveu um bocado”, confessa Filipe Rocha, sobre os comentários de Surma, Luís Jerónimo, Noiserv ou Fernando Ribeiro. “Fiquei mesmo super contente com o que eles disseram, porque estamos a falar de pessoas que para mim são de uma credibilidade gigante no mundo da música”.

Financiado pela Direcção-Geral das Artes, com apoio do Município de Leiria, o projecto Omnilab suporta-se também na ligação da Ccer Mais (cooperativa que serve de âncora à editora Omnichord) ao Serra, que funciona em instalações do Grupo Movicortes, detentor do JORNAL DE LEIRIA.

A próxima residência artística Omnilab vai acontecer, provavelmente, no próximo mês de Dezembro.

Entretanto, fica o espólio da primeira experiência, com muita “Coca-Cola do Lidl” e a boa comida da Estrelinha. “Manteve-nos vivos!”.