Sociedade
Pais queixam-se de pressão dos colégios
O JORNAL DE LEIRIA falou com pais que reprovam a “instrumentalização” dos filhos e denunciam a coacção de que também são alvo.
A partilha do receio de encerramento dos colégios, do despedimento dos professores e do afastamento dos coleguinhas e ainda o envolvimento em actividades de protesto contra a redução do número de turmas financiadas pelo Estado está a deixar algumas crianças apreensivas. O JORNAL DE LEIRIA falou com pais que reprovam a “instrumentalização” dos filhos e denunciam a coacção de que também são alvo.
“A pressão é enorme”, assegura M., encarregada de educação de um aluno do 8º ano do Colégio Conciliar de Maria Imaculada (CCMI), em Leiria, em alusão aos mais de 20 emails de mobilização para as diferentes iniciativas de contestação contra o Ministério da Educação. “Estão desesperados, porque têm noção de que há pais que não vão ter capacidade de pagar para manter os filhos no colégio”, justifica.
Favorável ao corte do financiamento dos privados quando existe oferta nas escolas públicas, M. considera que tanto os alunos como os pais estão a ser “manipulados”. No primeiro caso, quando lhes deram indicações para copiar um texto do quadro, para enviar ao primeiro-ministro e ao Presidente da República, em vez de lhes ter sido pedido para escreverem sobre o colégio de uma “forma livre”. No caso dos encarregados de educação, quando foram convocados para uma reunião na altura em que foi constituído o Núcleo de Acção do CCMI para lhes comunicar o que tinham decidido, e não para lhes pedir opinião.
C., mãe de uma aluna do 9º ano, também tem uma posição crítica em relação à forma como o CCMI tem conduzido este processo. “Não concordo que envolvam alunos do préescolar e do 1º ciclo em manifestações. Assuntos de adultos devem ser tratados por adultos”, afirma. Em relação ao envio permanente de emails, não se sente pressionada, porque se tem mantido à margem.
“Concordo com a redução das verbas, porque existem escolas estatais com vagas”, justifica C. “Mas isso devia ser feito de uma forma faseada e organizada. Não acho correcto não cumprirem o contrato”, acrescenta. “Agora, nem sequer acho que a qualidade do ensino no colégio seja superior ao das escolas públicas. Matriculei lá as minhas filhas por conveniência própria, devido ao horário e à segurança.”
C., pai de um aluno do Colégio Nossa Senhora de Fátima (CNSF), em Leiria, também lamenta o envolvimento de crianças nas iniciativas de protesto. “O meu filho diz que o colégio pode fechar, os professores vão ficar sem trabalho e que a escola pública não é muito boa”, conta. “Está convencidíssimo que aquilo é verdade”, denuncia, acrescentando que “a criança todos os dias fala no assunto”.
Paulo José Costa, psicólogo, defende que as crianças devem ser informadas sobre o que se está a passar, mas manifesta algumas dúvidas se a sua participação em acções de protesto é legítima. “Podiam envolver-se as crianças, mas não de uma forma tão sensacionalista e a um nível tão massivo, pois isso pode afectar o seu bem-estar emocional”, alerta. “Os próprios pais usam a inocência das crianças movidos por interesses pessoais, apelando às emoções em detrimento de outros factores, o que pode ser perverso.”
O constante envio de emails a informar sobre as iniciativas de protesto programadas, a solicitar a confirmação da presença dos pais, e a veicular outras informações relativas a este assunto são, assim, encarados como uma forma de coacção psicológica por alguns encarregados de educação. Um deles exemplifica com um email enviado pelo núcleo Defesa da Escola Ponto, onde se lê: “ficaremos envergonhados se uma escola com mais do que 800 alunos congregue apenas uma centena…”. Já no dia 4 de Maio, os pais eram alertados para a importância de fazerem três “TPC”: assinar duas petições pela liberdade de escolha da escola, escrever cartas ao primeiro- ministro e ao Presidente da República (num email enviado pela Direcção pediam para serem fechadas e num email enviado pelo Núcleo de Acção do CCMI diziam que “não precisam de ser fechadas” a sublinhado) e participar no Abraço à escola.
Maria Manuel, directora do CNSF, refere não ter conhecimento de que estas acções estejam a afectar as crianças, mas diz que têm tido o cuidado de resguardar as do pré-escolar e do 1º ciclo. Aliás, garante que até recomendaram aos pais que não levassem os filhos mais pequenos à manifestação em Lisboa. Admite que algum professor tenha manifestado as suas preocupações junto dos alunos, mas considera que as crianças continuam a agir com normalidade.
Jorge Cotovio, director pedagógico do CCMI, e Salomé Gonçalves, directora administrativa do CCMI, não receberam qualquer queixa de pais e esclarecem que têm o cuidado de os informar atempadamente das actividades promovidas pelo movimento Defesa da Escola Ponto, para que possam decidir se querem que os filhos participem. Em relação aos reflexos nos resultados escolares dos alunos, explicam que a avaliação é contínua. “É lamentável, sim, que o Ministério da Educação tenha provocado esta instabilidade precisamente em pleno 3.º período.”
O JORNAL DE LEIRIA não identificou os pais a seu pedido, por receio de represálias. Foram ainda abordados outros encarregados de educação, que confirmaram sentir-se, de certa forma, intimidados a participar nas actividades de protesto, mas não quiseram prestar declarações, mesmo sob anonimato.