Viver
Palavra de Honra | As pessoas deixaram de aceitar outras verdades que não as suas.
Paulo Agostinho, Jornalista
- Já não há paciência... para inquéritos deste tipo. Depende muito da qualidade de escrita e, na realidade, fazemos um ar despretensioso, mas sabemos que isto vai ser lido por algumas pessoas (poucas, espero), é um difícil equilíbrio de humor, mensagem e ritmo. Enfim, eu percebo que é preciso encher páginas de jornal. Mas também é por isso que ninguém os lê.
- Detesto... que não calquem o café no crivo da máquina. Há um problema cultural nos empregados de café em Portugal. Vou explicar: o café tem de ser bem pressionado antes de ser colocado na máquina. E depois não pode ficar lá mais do que três segundos porque, caso contrário, o calor queima o grão.
- A ideia... de que somos animais inteligentes é exagerada. Podem existir casos que cumpram esses critérios, mas isso ser condição zoológica parece-me abusivo. E nem falo na possibilidade de sermos animais racionais que isso, já se sabe, é um mito urbano.
- Questiono-me se... existirão jornais ou coisas onde aparecem notícias publicadas quando eu morrer. O jornalismo é uma profissão que pode passar à história, como os tanoeiros ou os amoladores. As pessoas deixaram de aceitar outras verdades que não as suas. E com isso, deixaram de querer informações que contrariem as suas convicções. Vamos todos ficar presos em bolhas de sabão a flutuar, sopradas pelos Donos Disto Tudo.
- Adoro... o som de algumas palavras ditas com as sílabas todas: “ruim”, “bardajão”, “texugo”, “taquicardia” ou “berloque”. E adoro discutir tudo. Colocando-me até em posições que não defendo só para ter o prazer de discutir.
- Lembro-me tantas vezes... do sabor dos tremoços no peão do Magalhães Pessoa, das marcas de vinho nas mesas do café do meu pai (o Polícia), do cheiro da farinha de broa escaldada e da farinha queimada no forno de alvenaria da padaria da terra da minha mãe (Chainça).
- Desejo secretamente... que não me tivessem pedido estas respostas no momento em que o Sporting voltou ao seu lugar de campeão. Temo que, para responder a isto sem erros, tenha prejudicado a qualidade do que escrevi nas redes sociais. Que, como sabemos, são a única coisa que verdadeiramente interessam neste mundo. Filhos passam, amores morrem, livros e árvores ardem. Um post é eterno.
- Tenho saudades... do tempo em que tinha certezas sobre as coisas. Do tempo em que ia às cinco da manhã pela estrada da Senhora do Monte e achava que era o ponto mais alto do mundo e que as luzes das terras em redor não eram mais do que súbditos da carrinha de pão onde seguia.
- O medo que tive… e tenho que capitulemos ao medo do Outro é algo que me atormenta. Deixámos de olhar o Outro como o próximo e vemo-lo com o inimigo. Isto vale para refugiados, imigrantes, adeptos de outros clubes, adversários políticos ou outros. Todos os dias, esforço-me por tentar aprender com o Outro e não a rejeitá-lo.
- Sinto vergonha alheia... Com gente que mete a primeira no meio de uma fila quando o sinal ainda não abriu. Qual é o objetivo? Pressionar o carro da frente? Sinto o mesmo quando oiço as expressões "prontos"; ou tipo"; quando não se referem a embalagens de produtos de limpeza ou a um modelo automóvel. Ah e o “Hades”, que é o deus grego dos infernos, um destino que desejo aos que dizem isso.
- O futuro... é construído hoje, foi feito ontem. Achar que Deus tem alguma coisa a ver com isso é abdicar da nossa responsabilidade enquanto espécie sobre o que podemos e devemos fazer aqui e agora. Dormir de consciência tranquila, todos os dias, é mais importante do que qualquer salvação futura.
- Se eu encontrar... mais alguém que compara uma polémica qualquer com o nazismo
- Prometo... que vou partir para a agressão física. Não há comparação possível: é a maldade numa folha de Excel. Comparar é fazer uma das coisas que me irrita mais, é ‘whataboutismo’, arranjar sempre outra coisa pior para relativizar as coisinhas do quotidiano. Do estilo “quem diz é quem é”, mas em versão adulto.
- Tenho orgulho...em ser do Bairro das Almuinhas, freguesia de Marrazes de Cima, concelho de Marrazes de Baixo, daquela ponta da Europa que não se governa nem se deixa governar, do terceiro calhau a contar do sol, de ser matéria combinada num tipo que (ainda) consegue dormir de consciência tranquila.