Desporto

Paulo Reis: “Dizem que não há sorte nem azar, mas não há campeão sem sorte”

31 jul 2016 00:00

Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro são, para o treinador de atletismo de Leiria, os quartos em que participa. Desta vez, acumulando com as funções de seleccionador nacional masculino.

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Atenas, Londres, Pequim e agora Rio de Janeiro. Que histórias recorda da presença em Jogos Olímpicos?

A mais engraçada aconteceu em Atenas. A Vânia Silva qualificou-se e eu não fui integrado na equipa. A Federação de Atletismo pagou-me o bilhete de avião e eu tive de encontrar sítio onde dormir. No dia da qualificação do martelo feminino, não tinha acreditação nem bilhete e quando a Vânia saiu do autocarro para ir para a pista de aquecimento, cumprimentei-a e disse a um indivíduo da segurança: 'por favor, deixa- me entrar, estou muito nervoso, é a primeira vez que venho aos JO. Com o stress esqueci-me da acreditação na aldeia olímpica e agora tenho aqui a minha atleta...' Com este tipo de discurso consegui entrar na zona de aquecimento e no estádio sem ter acreditação nem bilhete. Nos dias de hoje ou noutro país seria impossível, mas os gregos foram solidários comigo.

Tem-se falado das más condições na aldeia olímpica.

Sabemos que uma aldeia olímpica não é um hotel. Se alguém está à espera de um quarto, com televisão, ar condicionado, secretária e uma casa de banho privativa vai ficar muito desapontado. Obviamente que quando nos falam que os quartos estão sujos e não há água, isso preocupa-me, mas acredito que eles estejam numa grande azáfama para tentar corrigir todos os problemas. Presumo que quando lá chegarmos já teremos as condições mínimas.

O Brasil atravessa um período conturbado. Recentemente foram também detidos suspeitos de preparar um atentado.

Os Jogos Olímpicos são apetecíveis para quem quer causar danos. Já assim foi em 1972, em Munique, quando houve o atentado à delegação israelita e, agora, todos os dias acontece qualquer coisa. Preocupa-nos não só o terrorismo e eventuais atentados, mas também a segurança de quem terá necessidade de sair da aldeia e ir à cidade. Ouvimos relatos de que a segurança não é a ideal, embora também haja notícias de que vão colocar militares a patrulhar as ruas para reforçar a segurança. Preocupam-nos os tumultos sociais, porque o país está a ferro e fogo. Se os resultados desportivos forem bons para o Brasil, sobretudo no futebol, as coisas podem andar um pouco mais calmas, mas se as coisas desportivamente não correrem bem e as pessoas virem o dinheiro que se tem gasto em infraestruturas, imagino que haja uma série de factores reunidos para que possa haver problemas.

Recentemente, Portugal obteve bons resultados desportivos em várias modalidades. O que seria um bom resultado nos Jogos Olímpicos?

Há muita gente que vai aos Jogos Olímpicos com ambição de ganhar medalhas. Os concursos, os lançamentos e os saltos são as provas mais apertadas em termos de qualificação e têm entre 30 a 35 participantes. Destes, só dez ou 12 têm esperança de ganhar medalhas e só três as vão ganhar. Se calhar, há 80% que tem ambição de ficar entre os 12 primeiros e passar à final e há muito poucos que vão sem ambição de serem semi-finalistas. Aliás, às vezes passa-se uma mensagem que a malta vai lá passar férias. É mesmo um discurso de quem não faz a mínima ideia do que é um atleta preparar-se para os Jogos. Não há ninguém que esteja ali e não dê 200%. Há atletas que podem aspirar a pódio, sobretudo no sector feminino e temos alguns atletas nos concursos que podem aspirar a finais e eventualmente lutar por medalhas. O campeão olímpico Nelson Évora vai com o objectivo de conquistar uma medalha no Brasil. É verdade que estamos numa boa onda, as coisas têm corrido bem ao desporto português, e pode ser que esta mentalidade passe para os Jogos e que haja bons resultados.

E para a Irina Rodrigues, que treina há vários anos?

Um resultado que nos satisfaria era ser semi-finalista, ficar entre as 16 primeiras. As 12 primeiras passam à final. Sei que a Irina tem valor para ficar entre a final e um lugar de semi-finalista, mas também sei que das cerca de 30 atletas que vão participar todas têm essa possibilidade. Mais uma vez vai ser muito difícil e é importante estar num dia sim: chegar lá e competir bem. A Irina tem tido boas presenças em provas internacionais, que têm oscilado com outras menos positivas. Este ano preparou-se como nunca para competir internacionalmente e espero que 15 de Agosto seja o dia dela, sabendo que um metro mais à frente ou um metro mais atrás pode significar a diferença de dez ou 12 lugares. Para já, estou muito satisfeito com a forma como se preparou e empenhou.

Um treinador também chora nos momentos das desilusões?

Muitas vezes. Nos momentos em que ficamos muito desapontados é impossível não chorar. Trabalhamos muito, durante muitos dias e muitas horas e esperamos sempre que as coisas nos corram bem, mas sabemos que, num nível destes, entre o sucesso e o insucesso há uma barreira muito estreita. O momento mais triste que tive na minha carreira foi em 2002 no Campeonato da Europa de Munique, quando a Vânia Silva tinha a quarta marca da Europa antes da prova começar. Era uma clara favorita aos lugares cimeiros. Depois de dois lançamentos menos conseguidos na qualificação, passou a marca para ir à final. Mas depois do martelo cair, após a linha de qualificação, desequilibrou-se e, apesar das tentativas para se equilibrar, não conseguiu e deu um passo em frente. O lançamento foi nulo. Há pessoas que dizem que não há sorte nem azar, mas não há campeão sem sorte.

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