Sociedade

Pedro Cortes, engenheiro agrónomo: "os benefícios públicos da floresta têm de ser pagos a quem os produz"

8 set 2016 00:00

"Em Portugal vivemos num barril de pólvora”. A floresta é “muitissímo rentável”, mas, para isso, tem de ser vista numa perspectiva de “economia completa”, compensando os produtores pelas mais-valias que geram para a sociedade.

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Maria Anabela Silva

Depois de 2003, 2005 e 2012, Portugal está a viver mais um ano dramático em termos de fogos florestais. O que está a falhar?
Não se pode, em absoluto, evitar os fogos, que sempre existiram e que fazem parte dos ecossistemas e do mundo rural. O grande desiderato será o de evitar os incêndios descontrolados e catastróficos, como aqueles a que temos assistido. Há um conjunto de factores a ter em conta, como o clima, as ignições, o combate e a prevenção. Ao nível do clima, não há muito a fazer. Temos um clima mediterrânico, de extremos, com períodos de secura longos no Verão e precipitações altas do Inverno, e influências atlânticas, que aumentam a variabilidade inter-anual e, portanto, os imprevistos. Quanto à redução das ignições, terá de se actuar no combate ao crime e à negligência. Já se fez alguma coisa nesta matéria, mas terá de se fazer mais. Mesmo assim, existirão sempre ignições inevitáveis. Em relação ao combate, este tem melhorado. Nos últimos anos, investiu-se muito nesta área. Não me parece que se possa fazer muito mais, mas, dado o grau de perigosidade extremo do território, não podemos baixar a guarda do combate. Em Portugal vivemos num barril de pólvora, tal a carga combustível acumulada nas nossas florestas ao longo dos últimos 30 anos.

Se não controlamos o clima, se já não são possíveis grandes melhorias ao nível do combate, resta-nos a prevenção. Quais devem ser as prioridades nessa área?
É, de facto, ao nível da prevenção que muito há a fazer. A prioridade será a gestão da carga combustível em zonas estratégicas. É impossível voltar à situação que tínhamos há 40 ou 50 anos, quando se fazia o aproveitamento de toda a biomassa florestal e, em resultado disso, não havia mato, e quando os terrenos agrícolas estavam ocupados. Temos hoje muita área em processo de abandono. Em muitos casos, os herdeiros já nem sabem onde são as suas propriedades. Entra-se numa situação de terras sem dono. Há depois que ter em conta os anos e anos de acumulação de carga combustível. Já não vamos lá com acções de manutenção. São precisos investimentos mais volumosos. Sendo intervenções difíceis e caras, exige-se uma escolha muito criteriosa dessas acções e da sua distribuição pelo País. O problema é que, com o progressivo abandono, cada vez se conhece menos o território, o que dificulta a escolha dos locais a intervir e a aplicação de critérios territoriais. E a cartografia também não ajuda. Exacto. A nossa cartografia oficial está muito desactualizada. Veja-se o exemplo de um concelho onde tenho feito trabalho. Segundo os dados oficiais, uma determinada zona tinha 95% de mato denso. Na realidade estávamos em presença de uma área com 95% de pinhal jovem. Estas dislexias acontecem porque não se vai ao terreno. A regeneração natural de pinho está considerada como mato denso na cartografia oficial. No trabalho que temos feito [na empresa Geoterra] incidimos muito na questão da cartografia. É preciso saber porque fazemos a intervenção aqui e não ao lado. Neste processo, também é importante ir mostrando acções concretas às pessoas, de forma a que elas percebam que esse trabalho é útil e, quem sabe, seguir o exemplo. Fazer intervenções em determinados sítios que levem as pessoas a acreditar que vale a pena. Numa zona de minifúndio é muito complicado. É preciso haver escala de intervenção. Defendo a aplicação de um “modelo de dez em um”. Ou seja, com uma única intervenção ter dez vantagens.

Que modelo é esse?
A ideia base passa por, nos caminhos florestais que atravessem áreas perigosas, fazer intervenções numa faixa de 25 metros para cada lado da berma, criando uma faixa continua de gestão de combustível. Esta intervenção, centrada na rede viária, facilita o combate aos incêndios e melhora a sua eficácia. Por outro lado, o piso da estrada impede os reacendimentos pelas raízes. Outra das vantagem deste tipo de intervenção é o seu efeito desbloqueador. Normalmente, as propriedades encontram- se dispersas perpendicularmente em relação à rede viária. Ao intervirmos desta forma, abrangemos uma grande quantidade de proprietários. Vamos limpar-lhe uma parte do seu terreno com dinheiros públicos, se houver apoios para isso. A experiência que temos [na Zona de Intervenção Florestal de Seiça] é que os proprietários acabam depois por fazer a limpeza do restante terreno. Por outro lado, a limpeza de floresta em zonas abandonadas cria emprego onde, normalmente, é difícil de criar. Há ainda o efeito de vigilância dissuasória, porque passa a haver uma visibilidade maior ao longo da estrada, e a questão da equidade, com a repartição de recursos públicos por um grande número de proprietários.

Quanto custa uma intervenção desse género?

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