Viver

Porque é que sofremos tanto com a morte de ícones como Prince

1 mai 2016 00:00

"Não foi Prince que morreu, foi um ícone que morreu."

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Nos últimos tempos temos passado bastante por este ritual. Primeiro, as notícias iniciais ainda confusas de uma morte algures, a ansiedade antecipada da tragédia. Depois, a confirmação, a realidade a instalar-se, as redes sociais transformadas numa enxurrada de pesar. Todas as aparelhagens, laptopsesmartphonesa tocarem as mesmas canções, as reuniões de homenagem em bares e discotecas. Obituários coligidos e publicados. Redactores a ouvirem aquelas malhas de sempre noite fora e a escreverem tributos, concertos de outros artistas a transformarem-se em momentos espontâneos decovers, a paixão de uma época assinalada em todo e qualquer lugar, de sites porno, a estações de metro. Prince desapareceu, mas nós ainda cá estamos e a sua música também. A maioria das pessoas que apareceu em sítios reais, ou online, para celebrar a vida e morte de Prince, obviamente, não o conhecia pessoalmente. Também não conheciam David Bowie, ou Robin Williams, no entanto as reacções às suas mortes foram espontâneas, emocionadas, verdadeira e intensamente sentidas. Parece que toda a gente sabe como, instintivamente, publicitar o lamento, sair da vida mundana para exaltar uma figura que vivia num patamar acima do nosso. Mas porque é que temos este instinto? O que é que alimenta esta toada familiar de desgosto quando uma figura pública morre? Para esclarecer e analisar melhor isto, telefonei a Theresa Martinez, professora de Sociologia na Universidade do Utah, que ensina Sociologia do Rock n' roll.
VICE: Porque é que as pessoas estão tão transtornadas com a morte de Prince?
Theresa Martinez: Julgo que as pessoas sentem uma ligação a Prince, porque, claro, ouvem a sua música. Mesmo que não o façam semanalmente, de alguma forma tiveram uma ligação com uma, ou mais, das suas músicas ao longo dos anos. Purple Rainé um álbum icónico e, por isso, muita gente o ouviu em algum ponto da sua vida. Há os fãs mais hardcore, há pessoas que adoram When Doves Cry,ou Little Red Corvette; há toda uma geração de gente que o conheceu através dos seus pais, de um tio, ou dos avós até. Depois, também há gente que, apesar de não sen tir essa ligação à música de Prince, compreende a sua influência noR&B, no hip-hop, em todos os géneros basicamente. E ultimamente, por outro lado, era um artista que estava bem visível. Andava a dar concertos, estava em palco. Não foi Prince que morreu, foi um ícone que morreu. Quando David Bowie morreu, aconteceu o mesmo, tal como quando morreu Glenn Frey [dos Eagles] - ou Robbin Williams. Todas estas pessoas estão relacionadas com a forma como nos compreendemos a nós próprios, enquanto seres culturais. Sentimos que é um membro da família. As pessoas choraram quando John Lennon morreu. Não o conheciam pessoalmente, mas, ans suas cabeças, era como um amigo, uma pessoa a quem davam ouvidos e que adoravam e a quem se sentiam ligadas. Purple Rainainda se ouve nas rádios. Como eu costumo dizer aos meus alunos da cadeira de Rock n' roll, quando algo se introduz na nossa cultura desta forma, nunca desaparece. E Prince tinha apenas 57 anos!
As pessoas lamentam a morte de Prince de uma forma diferente agora, porque toda a gente pode falar sobre isso nas redes sociais?
Bem, sim, porque toda a gente mudou com as redes sociais. Mas também porque agora todos sabemos das coisas de uma forma muito mais rápida. Tudo é mais rápido. Nos últimos cinco anos, Prince estava visível - se tivesse estado mais recatado isto seria na mesma uma tragédia, mas, provavelmente, seria algo menos discutido. Prince actuou recentemente com Alicia Keys e tem actuado com outros artistas contemporâneos. Nunca desapareceu.
As mortes de celebridades afectam mais umas pessoas que outras?
Claro. Há pessoas que acham que estão acima destas coisas e não se sentem tocadas. Mas eu não vejo este caso como uma "morte de uma celebridade". Vejo-o como a morte de uma pessoa que é um ícone da nossa cultura, um artista que criou um corpo de trabalho muito importante. A morte de John Lennon foi um acontecimento imenso, foi a morte de um Beatle! Pelo menos no meu círculo de amigos, ninguém pensou, "morreu uma celebridade!". foi mais do género, "eu cresci a ouvir este gajo, a ouvir It's a Hard Day's Night, I Want to Hold your Hand. Era Lennon, percebes? Ele escreveu imagine, caraças... No início deste semestre, pedi aos meus alunos para escreverem sobre os seus artistas favoritos e todos escreveram coisas como, "este artista fez com que me ligasse mais ao meu pai", ou "a minha mãe morreu, mas isto era uma das coisas que partilhávamos e que me faz lembrar dela".
Está a dizer que este pesar que sentimos tem a ver com a forma como nos ligámos a um determinado artista quando éramos mais novos?
A linha de pensamento é esta: adoro aquela canção! Adoro aquele filme em que ele entrou! Despertaresé um dos meus filmes favoritos de Robin Williams, não acredito que tenha morrido! Ao contrário das pessoas que estão a falar em tremos de "celebridade". Esse pensamento, a meu ver, é um bocado merdoso. Para mim, a morte de Prince é sobre aquela altura em que eu namorava o meu ex-marido e ouvíamos Little Red Corvettee Purple Raine fomos ver Purple Rain, o filme, ao cinema. Essa é a minha memória. É uma memória de família. É uma memória da América, da cultura americana. É por isso que acho que a morte de Bowie, ou de Glenn Frey e outras, são significativas para nós. Não é só por serem celebridades, mas porque os ouvíamos desde crianças, ou adolescentes. É algo maior do que uma questão de fama e, mais importante: é uma questão do ethos cultural, do que é cultura.
Parece-me que escrever sobre Prince nas redes sociais, ou falar sobre ele, ou ouvir a sua música, é uma forma de reafirmar aquilo que o tornou válido para a cultura em primeiro lugar.
Exactamente. Porque é que temos orock and Roll Hall of Fame? Porque é que temos pessoas que entram nele e outras a falar sobre as suas vidas? Uma das introduções mais espectaculares que vi foi a de Bruce Springsteen aos U2. Na altura lembro-me de pensar, estas pessoas estão a falar sobre as suas vidas, o seu impacto na cultura, sobre as coisas que conseguiram concretizar enquanto artistas, as coisas que deram ao Mundo enquanto pessoas. E isso é que é o importante.

Harry Cheadle 

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