Desporto

Porque o surf não tolera poluição, o neoprene não pode acabar no aterro

6 jul 2018 00:00

Por definição, o surf deveria ter preocupações com o meio-ambiente, mas a verdade é que utiliza materiais altamente poluentes. Depois há os que lutam contra a maré, como Inês Catarino.

Fotos: Daniel Espírito Santo

Destrua as ondas, não as praias. Há uns anos, esta frase mítica costumava estar colada nos vidros traseiros dos carros ou impressa em t-shirts. Depois, terá passado de moda, mas o contexto nunca saiu de cena, bem pelo contrário.

Surf e ecologia andam de mãos dadas. O surfista ideal preserva o meio-ambiente, evita a poluição, procura um dia-a-dia sustentável, mas a verdade é que debaixo dos pés e colado ao corpo tem material altamente poluente.

Polipropileno

São várias as pessoas na região que têm tentado tornar mais saudável a prática do surf. Na Amoreira, concelho de Óbidos, José Antunes estava tão interessado em reduzir a sua pegada ecológica como em surfar, pelo que decidiu que o caminho era regressar às origens e fazer pranchas artesanais e sustentáveis, em madeira portuguesa, criando a Yoni Surfboards.

É que o polipropileno, com que são construídas as típicas pranchas, é extremamente poluente, derivado de petróleo e sem solução de reciclagem. Numa altura em que o surf está imparável, não é difícil imaginar as toneladas de pranchas que são feitas com aquele material. O processo de produção é poluente, sem se saber o que fazer com os resíduos de fabricação e com as pranchas que se partem.

Está visto que não é apenas uma questão estética que está por detrás da opção por uma prancha de madeira, é também a vontade de reduzir os resíduos dos surfistas nos aterros. Mais, ao escolher o bambú e o agave, José Antunes optou por espécies de rápido crescimento. Por cada prancha que vende, replanta uma árvore num terreno do pai.

Wax

No lugar de Souto do Meio, na freguesia da Caranguejeira, Romeu Cristóvão desenvolveu um produto para substituir a wax, aquela cera que serve para aumentar a aderência do surfista à prancha e que é feita de parafina. Mais um produto altamente tóxico utilizado pela tribo das boas vibrações.

E tudo começou porque há uns anos, quando fazia bodyboard sem fato, lhe apareceram umas borbulhas no corpo. O médico levantou a hipótese de ser da wax, por ser feita com produtos petroquímicos. A questão foi ultrapassada, mas jamais esquecida e, quando surgiu a oportunidade, Romeu resolveu investir o seu tempo para encontrar uma solução verde.

Estudou, testou, errou e acabou por encontrar a fórmula mágica da Eco Spotwax. Foram oito meses de experiências, até encontrar o equilíbrio. Em vez de parafina usa cera de abelha, resinas do pinheiro e uma erva, o verdadeiro segredo da receita, que dá a consistência certa à mistura.

Com o produto biodegradável já em comercialização no site da Trendout, a produção artesanal é feita na pequena aldeia do concelho de Leiria pelo próprio pai de Romeu.

Neoprene

E depois há os fatos, de neoprene, também eles altamente poluentes e sem reutilização... até surgir Inês Catarino. Não, ela não criou wetsuits sustentáveis, mas encontrou uma solução para, na medida do possível, reutilizar aqueles que, já gastos, vão deixando de servir.

Ela é da Maceira, mas reside no Baleal, onde é instrutora no Surfers Lodge Peniche. No início desta temporada, alguns dos fatos mais velhos da escola iriam ser postos de lado. Os melhores seriam vendidos, mas os mais desgastados, provavelmente, iriam acabar na lixeira.

Inês adora costurar. Aprendeu o ofício com a mãe e a avó, mas esta ligação do surf aos trabalhos manuais começou “por brincadeira”. “Estava a costurar numa lojinha e apareceu um rapaz, meu amigo, que me pediu para lhe fazer uma capa para a prancha. Mas não queria uma daquelas tradicionais, queria uma personalizada.”

Correu bem. Muito bem, até. De tal forma que muitas outras pessoas replicaram a solicitação. Pareciam sets a chegar.

“Comecei a lembrar-me de coisas que poderia fazer. Experimentei o neoprene para servir de estofo e a verdade é que funciona muito bem. É esponjoso, absorve o choque e até da água protege. É um material de difícil reciclagem e juntei o útil ao agradável.”

Das capas para pranchas, passando por malas para máquinas fotográficas e para laptops, fitas para óculos e sacos para rolos de yoga, de tudo um pouco já saiu do atelier de Inês Catarino.

“É trabalho personalizado, faço o que cada um quer”, sublinha. Já são várias, as escolas de surf que colocam os fatos à disposição. E ela “até os fechos aproveita”. Assim surgiu a Flahica, uma reutilização criativa que inspira e reduz o impacto ambiental.

Hoje em dia, partilha os dias entre as ondas e a costura. “Em Peniche dá o ano todo. Há boas condições e oportunidades. Dou aulas e tenho um volume cada vez maior de encomendas. Tenho a sorte de adorar o que faço.”

Quer agora aproveitar os ensinamentos de quatro meses passados na Austrália, onde aprendeu técnicas de impermeabilização de capas, com cera de abelhas e resina de pinheiros. “É um país com muita cultura nesses aspectos.”