Sociedade

Primeiro mass killer português ou o 'mata-sete' do Osso da Baleia

2 mar 2017 00:00

Crime foi há 30 anos, mas ainda continua a mexer com quem viveu de perto o caso.

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Maria Anabela Silva

Artigo originalmente publicado a 2 de Março de 2017

É um destino paradisíaco. Rodeada pela mata, sem construção, a praia do Osso da Baleia, em Pombal, encanta pelo seu lado selvagem, característica que, nos últimos anos, a fizeram figurar em roteiros e artigos sobre turismo em alguns importantes órgãos de comunicação, como a famosa CNN. Mas há 30 anos apareceu nas capas dos jornais como palco de um dos mais horrendos crimes cometidos em Portugal.

Na madrugada de 1 para 2 de Março de 1987, Vítor Jorge, porteiro numa agência bancária, assassinou cinco pessoas no areal do Osso da Baleia. Depois, mataria ainda a mulher e a filha mais velha. A mais nova conseguiu fugir e o filho seria poupado à chacina. Vítor Jorge, que hoje vive em França, tornava-se, assim, no “primeiro e mais famoso mass killer” português. Trinta anos depois, a chacina ainda mexe com quem viveu o caso de perto.

“De acordo com a taxonomia do FBI, o mass killer é alguém que assassina, pelo menos, quatro pessoas num espaço curto de tempo e numa região geográfica restrita (…). Vítor Jorge pode ser assim classificado”, explica Paulo Sargento.

O psicólogo criminal nota, no entanto, que “as armas que utilizou – não só de fogo, mas também de lâmina - e o facto de ter assassinado, sem critério e ligação aparente, uma amiga, quatro desconhecidos e dois familiares directos, tornam o seu perfil pouco comum no âmbito das habituais classificações”.

Depois de uma 'guerra' entre psiquiatras e psicólogos, Vítor Jorge foi considerado imputável e condenado a 20 anos de prisão, a pena máxima na época. “A dúvida, que ficará para a história, é se se tratava de um doente psicótico, inimputável e perigoso, ou de um psicopata frio e premeditado que teve consciência plena de tudo o que fez. A leitura do seu diário e o seu comportamento durante estes anos faz-me partidário da primeira hipótese”, admite Paulo Sargento.

 

Vítor Jorge cumpriu 14 anos na penitenciária de Coimbra, onde foi aju- dante de biblioteca e sacristão. “Falava aos presos para não fazerem mal”, recorda Costa Santos, então redactor do Diário Popular.

“Acompanhei todo o processo, desde a identificação das vítimas até à sua captura em Calvaria [aldeia de Porto de Mós onde Vítor Jorge nasceu], sem oferecer qualquer resistência, e ao seu internamento no hospital de Leiria, onde chegou muito debilitado.

Acompanhei o julgamento e depois a sua prisão em Coimbra”, conta. Dos meses de julgamento, Costa Santos recorda a “frieza” do arguido e a sua “postura para dar a ideia de dupla personalidade” e o dia em que Vítor Jorge quis falar consigo.

“Disse-me que era o jornalista que mais fielmente expressava o que se passava nas audiências, o que não me agradou, e falou-me da luta que travou com o 'outro' Vítor Jorge, que queria que ele matasse a assistente social durante um encontro que tiveram no pátio da prisão”, recorda o antigo jornalista

Crime marcou freguesia
Pedro Silva, actual presidente da Junta do Carriço, era ainda criança quando se deu o crime. Recorda-se apenas “das conversas dos adultos” sobre o caso, que, com o passar dos anos, foram sendo menos frequentes.

“Hoje, só é tema de conversa quando há artigos nos jornais. As pessoas preferem falar das maravilhas da praia”, diz o autarca. Mas, entre os mais velhos, o crime ainda mexe. Aníbal Dias, então com 24 anos, continua hoje sem esquecer os corpos que viu estendidos na praia.

Há um ano, em declarações ao JORNAL DE LEIRIA, contou que, naquela noite, tinha saído para a praia para ir apanhar isco. Como conduzia uma Renault 4L idêntica à do homicida, foi interceptado por “uma pessoa vestida à civil com uma G3 na mão”.

Quando saiu do carro, viu dois corpos esten- didos no chão. “Foi um aconteci- mento que marcou a freguesia pela negativa. Durante muito tempo havia pessoas com receio de voltar à praia. Na altura, as pessoas nem queriam sair de casa nem ir ao Osso da Baleia. Foi um trauma", disse.

“Se hoje, em Portugal, poucos cidadãos com menos de 40 anos reagirão ao cognome de 'mata sete', estou seguro que não haverá na região quem não reaja a essa designação e não a identifique como um símbolo dessa mesma região.

A saliência mediática da altura, mas, fundamentalmente, a proximidade territorial e social com o fenómeno e os seus actores, deixou e deixará uma marca indelével sob a forma do mito do 'mata sete'”, afirma Paulo Sargento, psicólogo criminal.