Viver

Quem diria que o negro pode ser tão colorido?

25 ago 2016 00:00

Chegou, mais uma vez, aquele momento do ano em que Leiria se transforma por alguns dias para acolher o evento único no mundo que dá pelo nome de Entremuralhas, festival que se realiza no Castelo de Leiria, entre 25 e 27 de Agosto

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Jacinto Silva Duro

Organizado pela Fade In – Associação de Acção Cultural, a tal que não é “um bordel, mas dá muito prazer” - a fazer fá no lema e no trabalho que o colectivo tem realizado ao longo de quase duas décadas – o Entremuralhas é uma oportunidade única para ouvir – e ver – bandas e artistas que não fazem parte do mainstream, mas cuja música, espectáculos e performances são do que de melhor se faz no mundo do folk, dark, darkwave, gótico, electro, synthpop, new wave ou até exercícios que não se conseguem compartimentar em estilo algum, de tão originais, peculiares e até chocantes.

Veja-se o exemplo dos Grausame Töchter, cujo espectáculo “não é aconselhado a menores nem a pessoas demasiado susceptíveis”. Esta será a 7.ª edição do evento que, mais uma vez, seduz os habitantes de Leiria a vestirem as suas roupas e rendas negras – quem diria que o negro pode ser tão colorido? -, a subir ao velho castelo da cidade e a participar nesta experiência única, ao lado de pessoas que vêm das várias partidas do Mundo especialmente para o festival.

Neste artigo, fazemos uma visita guiada por cada um dos colectivos que vão actuar nos palcos Corpo, Alma e Igreja da Pena. No final do último concerto de cada um dos dias, o festival desce à cidade e ao Clube Suite para dançar até ao raiar do sol, ao som dos DJ convidados pela Fade In.

Silent Runners
O quinteto formado por Jan Meulendijks, Joep Gerrits, Stanley Op’t Root, Frank Smolenaers e Dolf Smolenaers chega de Amesterdão, na Holanda, para abrir o Entremuralhas 2016 e mostrar uma música inspirada no quotidiano, com laivos de influência britânica que nos remete para a Manchester dos anos 80, da La Hacienda e da Factory Records. “Uma banda que mistura a cadência do pós-punkcom o travo agridoce danew wave de tradição mais sombria”.

 

Karin Park
Nome que há muito a Fade In ambicionava trazer a Portugal, a sueca Karin Park é compositora, cantora, modelo e actriz. O seu percurso iniciou-se em 2003 com o álbum Superworldunknown, que venceu o prémio de melhor nova artista pop do ano. Change Your Mind, de 2006, foi o seu segundo trabalho, preparação para Ashes To Gold, de 2009, mais negro e com produção de Frederik Saroe. Mas foi com Highwire Poetry, produzido por Christoffer Berg (Massive Attack e Fever Ray), que a cantora encontrou a sua marca. “A sua voz é comparada a Björk, sobretudo, nos seus temas mais calmos.”

 

Grausame Töchter
Esta é uma das surpresas que a organização preparou para este ano. Para este concerto de Grausame Töchter avisa, desde logo, que não é aconselhável a menores nem a pessoas susceptíveis. Porquê? Devido ao “poderoso espectáculo ao vivo que inclui sado-masoquismo, nudez, e cenas teatrais”, refere a Fade In. A banda que fechará o primeiro dia do festival é um octeto oriundo de Hamburgo (Alemanha), formado por Aranea Peel, Era Kreuz, Bojana Tadic, Valeria Ereth, Zou Lou, Annie Fiore, Arnaud Vanteekiste e Gregor Henning. Fundados em 2009, o nome da banda traduz-se por “Irmãs Cruéis.”


 

Angelic Foe
Annmarie Thim foi, durante mais de uma década, a voz principal da banda de culto sueca Arcana, que passou pelo Entremuralhas em 2011. Depois disso, a banda hibernou e Annmarie dedicou-se à composição e escrita que originou Angelic Foe. Apresentar-se-á na Igreja da Pena, acompanhada por Mattias Borgh e Jenny Göransson. Dark Door Os italianos Mario d’Aniello e Federica Velenia vêm de Nápoles e, na sua estreia em Portugal, trazem os EP 53.°, Abracadabra e o álbum Post Mortem, disco que assenta em sonoridades frias, e sequências minimalistas. A voz é a “imagem de marca” destes italianos. Temas como Nato Morto, Si Sei Tu, Incubo Di Una Notte Di Fine Estate, A Scatti ouOdiami e Amami vão estar, com certeza, presentes no Entremuralhas.

 

Kite
Os Kite chegam da Suécia e há já vários anos que a organização do Entremuralhas desejava a sua presença. A edição deste ano assinala a estreia do colectivo em Portugal. Fundados em Malmo, em 2008, por Nicklas Stenemo e por Christian Berg integram a synthpop europeia. De sublinhar a voz peculiar do seu vocalista e a estética que pisca o olho ao europop dos anos 80.


 

King Dude
De Seattle (E.U.A.), chega Thomas Jefferson Cowgill, acompanhado por Tosten Larson e August Johnson. King Dude ganhou a sua reputação quando decidiu fazer a música mais “terrível” que conseguisse, trocando a electricidade das suas bandas de hardcore e black-metal pelo dedilhar folk de guitarra a tiracolo. Uma voz impressionante que merece ser ouvida com cuidado.


 

Sex Gang Children
Esta banda formou-se em Londres no início de 1981 e teve duas vidas: a primeira, conturbada, durou até 1985 e a segunda renasceu em Los Angeles, em 1991, e dura até hoje. Sex Gang Children foi o nome que Malcolm Maclaren, o famoso empresário por detrás do sucesso dos Sex Pistols, Boy George e Ian Astbury, retirou de uma novela de William Burroughs para incluir numa das letras dos Bow Wow Wow, mais uma das bandas em que apostara. Neles estava Boy George que saiu para formar o seu próprio grupo levando com ele o nome. Mas quando houve hipótese de assinar com a Virgin Records, Boy George achou que uma banda que se chamasse Sex Gang Children não iria a lado algum e cedeu o nome ao amigo Andi, que tinha os Panic Button que passaram a ser Sex Gang Children.

 

Frustation
Na sétima edição do Entremuralhas, o quinteto francês que se formou em 2002 e que, segundo a Fade In, “funde num só, o espírito, a toada e o âmago de grupos como os Warsaw, Joy Division, os pré-Death In June – Crisis, Killing Joke e The Fall nas suas fases mais seminais”. É uma banda que esgota concertos no país de origem e que já vendeu dez mil exemplares de discos, à custa de temas como Blind, It’s Gonna Be The Same ou Dying City.

 

Die Krupps
É mais uma grande estreia em Portugal e um dos nome mais apetecidos deste Entremuralhas. Formaram-se em Outubro de 1980 em Düsseldorf e são citados pela crítica ao lado de nomes como os Kraftwerk ou Einsturzende Neubauten - ouça-se o álbum Stahlwerksynfonie, de 1981. Entre os vários trabalhos deste colectivo, contam- -se um tributo aos Metallica com versões electro-industriais de Enter Sandman ou For Whom The Bell Tolls. Os Metallica acabaram por ajudar os Die Krupps a assinar um contrato na Hollywood Records. Sisters Of Mercy, Nine Inch Nails, Einsturzende Neubaten ou Faith No More fizeram re-interpretações de temas da banda alemã. Os Rammstein prestaram-lhes tributo, em 1997, comTier, do álbum Sehnsucht.

 

Har Belex
Estes espanhóis que praticam neofolk, têm no seu núcleo dois músicos que recusam catálogos em géneros musicais: Manix S, dos Pail, tem carreira reconhecida na música electrónica, e Salva Maine, dos Culture Kultür, naEBM e no synthpop. O seu neofolk é rico nos arranjos e na expressão idiomática onde se notam influências de nomes relevantes como Spiritual Front, Oniric ou Rome. No Entremuralhas terão a companhia de Lucas Valera e de Sathorys Elenorth.

 

Geometric Vision
Os italianos Ago Giordano, Gennaro Campanile e Roberto Amato formam os Geometric Vision, banda que se tornou conhecida com os álbuns Dream(2013) e Virtual Analog Tears (2015). O trio dá corpo a canções de toada fria, mescla de dedilhado de guitarras herdado ao mais refinadodream- popbritânico e o adorno synth, ocasional, de sequências circulares. Os temas vivem da estética agridoce, embalada por um baixo de tonalidades cinzentas e ritmos que se aventuram em cadências propícias à dança, que nos remete para alguns dos temas de The Cure.

 

Ianva
Os italianos Ianva - pronuncia-se ya-noo-ah -, chegam de Génova para uma estreia nacional. “As suas composições, que tanto nos remetem para a música popular italiana como para as vielas pecaminosas do pigalle parisiense, tocam-nos pelo apelo poético”, refere Carlos Matos, da Fade In. A apologia do passado é invocada por influências dos pioneiros da new wave e compositores como Ennio Morricone, Armando Trovajoli ou Stelvio Cipriani.

 

Corpo-mente
Gautier Serre e Laure Le Prunenec regressam ao castelo de Leiria, depois de, no ano passado lá terem ido com Laurent Lunoir, em modo Igorrr, numa explosiva mistura de breakcore, black-metal, drum’n’bass e ópera. Integram agora um quinteto com Antony Miranda, Nils Chevellie e Vincent Beaufort. “A música dos Corpo-mente é um híbrido de toada ora acústica ora eléctrica, por vezes de ascendência barroca, outras de assumida matriz clássica”, refere a Fade In.

 

Vive la fête
Esta banda belga formou-se em 1997 quando o baixista dos dEUS, Danny Mommens e a ex-modelo Els Pynoo se apaixonaram. Tempos depois, juntaram-se a Roel Van Espen, Ben Brunin e Gino Geudens. Actuará no Palco Corpo para encerrar a 7.ª edição do Entremuralhas. A sua música funde o electro e o synthpop com o rock. O designer de moda Karl Lagerfeld reparou neles e têm sido recrutados para musicar a Chanel, Yves Saint-Laurent ou D&G em desfiles.


 

"Somos 'líricos'"
Chegámos ao 7.º ano. Sete anos consecutivos de Entremuralhas. Sete anos consecutivos a trazer a Leiria quase todos os nomes musicais de maior relevância mundial.

Aqueles de culto; aqueles cujos fãs são acérrimos coleccionadores dos seus discos; aqueles cujos fãs são capazes de cometer loucuras e atravessar países para os seguirem; aqueles que privilegiam a genuinidade da criatividade em detrimento das estratégias e dos artífices meramente comerciais; aqueles que, como nós, na Fade In, teimam em resistir e continuam a acreditar que o mundo não pode cair na estandardização estética e cultural, princípio perigosamente próximo da manipulação de massas e de consciências.

É pois, neste nicho de resistência "Asterixizada", que nos temos mantido a salvo do que de pior tem a globalização: a uniformização.

O Entremuralhas, mostra que é possível haver estratégia de continuidade no desbravar de um caminho personalizado e abertura de mentes. Talvez seja por isso que, ao fim de sete anos, tenhamos, finalmente, de uma forma mais visível e pró-activa, alguns parceiros locais que se associaram ao evento de forma mais incisiva, nomeadamente na hotelaria e restauração.

Dizer-vos que estes anos foram fáceis seria um atestado de leviandade. Todo este percurso tem sido feito à custa da privação de milhares de horas de sono, muita paixão e dedicação, de muito apego afectivo ao projecto, de muitas contas que se fazem, da ginástica financeira e da incomensurável coragem para levar adiante um projecto não-financiado, praticamente sem sponsors, de orçamento avultado, e cujo sucesso depende, praticamente em exclusivo, da venda de bilhetes: considerados caros para muitos (provavelmente para todos os que não têm a mínima noção do que é uma produção desta dimensão ou da categoria/história/importância dos artistas em cartaz), e baratos para todos os que, de forma fiel, portugueses e estrangeiros, nos têm acompanhado desde a primeira edição, em 2010.

Leiria é hoje considerada (sobretudo pelos forasteiros) uma cidade socialmente e culturalmente vanguardista e emancipada. Muito tem contribuído a sinergia desenvolvida entre a Câmara Municipal e a Fade In que tem o seu esplendor máximo neste evento que é o Entremuralhas - que, aliás, esteve na génese do resgate do Castelo de Leiria do esquecimento a que durante décadas esteve remetido.

Mas a grandeza deste evento não se afere pelo número de pessoas que participa em cada edição. A sua lotação é limitada a 737 pessoas por dia. O seu impacto e real dimensão afere-se pela exposição mediática nos jornais, rádios e televisões, no facto de tornar Leiria numa boa notícia nacional e internacionalmente e, sobretudo, pela responsabilidade que tem tido na transformação do olhar que cada um de nós tem perante o que é culturalmente/socialmente diferente e non-mainstream.

Ainda há um longo percurso a fazer e não seria honesto da nossa parte dizer que estamos "nisto" apenas por altruísmo ou por missão. Não, este caminho tem sido feito através de um concretizar sucessivo de sonhos; um confraternizar constante com os artistas que mais admiramos; um percurso hedonista que, em última instância, faz jus e dá sentido às nossas existências.

Somos "líricos"? Lunáticos? Sonhadores? Irresponsáveis? Sim, somos tudo isso e muito mais. Mas VIVEMOS! Nunca ficámos no sofá a criticar os outros ou à espera de que algo nos "caísse do céu".

Estamos no terreno a fazer acontecer, por muito arrogante que isto possa parecer...
FADE IN Team

Programação
25 Agosto
Silent Runners – 22 horas – Palco Corpo
Karin Park – 23 horas – Palco Corpo
Grausame Töchter – 00 horas – Palco Corpo

26 Agosto
Angelic Foe – 18 horas – Igreja da Pena
Dark Door – 19 horas – Igreja da Pena
King dude – 21 horas – Palco Alma
Sex Gang Children – 22:30 horas – Palco Alma
Frustration – 00 horas – Palco Corpo
Die Krupps – 1:30 horas – Palco Corpo

27 Agosto
Har belex – 18 horas – Igreja da Pena
Geometric Vision – 19 horas – Igreja da Pena
Ianva – 21 horas – Palco Alma
Corpo-mente – 22:30 horas – Palco Alma
Kite – 00 horas – Palco Corpo
Vive la Fête – 1:30 horas– Palco Corpo