Sociedade

Rui Matos: “Nós matamos a criatividade na escola”

7 set 2017 00:00

Professor-coordenador na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leiria, considera que não deveriam existir exames e a entrada no ensino superior deveria ser responsabilidade das instituições.

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O Ministério da Educação lançou o Perfil do Aluno. Quais as competências que devem ser exigidas a um aluno após 12 anos de escolaridade?
Às vezes o que está no papel é muito bonito. O problema é como se concretiza. Faz sentido o conjunto de competências que este Ministério definiu como as ideais que um aluno deverá dominar quando termina os 12 anos de escolaridade obrigatória. É curioso que seis ou sete delas fujam claramente do que habitualmente temos entendido que é a função do ensino, que é para as áreas das letras e das matemáticas. É um sinal importante de que somos mais do que apenas coisas exactas e predefinidas, quando temos todo um campo de autonomia, criatividade e unicidade. Ao contrário de 'todos diferentes, todos iguais', proponho que na educação seja 'todos iguais, todos diferentes'. É isso que o ensino não tem sido capaz de fazer. Fala-se disto há tanto tempo e ainda não demos o salto. Toda a gente já percebeu que a educação não pode continuar assim, mas ela continua na mesma. Para mim, há um conjunto de competências fundamentais: cidadania, formação para a ética e ser capaz de raciocinar. Depois disto vêm as linguagens e literacias.

Porquê estas competências?
Basta olhar para o mundo e ver o que acontece todos os dias, os atropelos àquilo que é o respeito pelo outro. Somos preparados pela sociedade para sermos indivíduos competitivos na óptica completamente contrária a cooperativos. A competição em si não é má, mas quando desenfreada sim. Veja-se quando alguém olha para o lado num teste. Anula-se, é um escândalo. Mas depois queremos que as pessoas sejam cooperativas e façam trabalhos de grupo. É um contrasenso. Por que é que a pessoa copia? Porque quer mostrar um resultado que não interessa a ninguém. Para quê os alunos perderem tanto do seu tempo a estudar, quando passados dois anos já não sabem nada daquilo. Mas, agora, é aquilo que é necessário para entrar na universidade. Então para que é preciso se depois se esquece? Há aqui algo que está errado. O ensino secundário e o ensino superior não têm nada a ver, no entanto, é o perfil de saída do 12.º ano que decide a entrada no ensino superior. Ou seja, entendemos que o perfil ideal para alguém entrar no ensino superior depende do que sabe no 12.º ano, o que para mim é um erro crasso, porque 90% do 12.º ano não serve para nada e os outros 10% esquecem-se em dois anos.

Para que serve o ensino?
Está escrito na Constituição que o ensino serve para formar indivíduos autónomos e críticos. Mas, como querem que tenha autonomia se fazem com que sejam todos iguais? Para isto é preciso uma coisa fundamental, a filosofia, porque é o que nos faz raciocinar.

A filosofia não deveria começar logo no 1.º ciclo?
Sim, por isso é que há experiências muito interessantes com miúdos pequeninos. E as pessoas perguntam: filosofia nessa idade? Claro. Os miúdos são filósofos natos. Não admitem injustiças. A filosofia conduz-nos ao raciocínio ético e ao esgrimo de argumentos lógicos. É para isto que deve servir a escola: ética, cidadania, filosofia, não é só para ensinar Matemática e Português. Na Finlândia o ensino secundário não é obrigatório e não é por isso que não está cheio de gente, mas é diferente ir por gosto ou ir por obrigação. Por obrigação não resulta. Os professores queixam-se que os alunos fazem muito barulho, pelo que não os conseguem ensinar. Mas é por não os conseguirem ensinar que eles fazem barulho. Experimentem ensinar uma coisa que tenham interesse.

A escola é que castra os jovens?
Não somos educados para responder criativamente. Somos educados para repetir. Repare-se que tem de se pedir para ir à casa de banho. Então há hipótese de não ser autorizado? Faço ali na sala? Se o aluno precisa, vai. Cá confunde-se isso com falta de respeito. Neste País tudo é falta de respeito e por isso as pessoas têm medo de falhar e de errar. A errar também se aprende. Depois queremos ter um país de empreendedorismo. Como posso ser empreendedor se sou castrado quando quero fazer uma coisa que sai um bocadinho da norma? Não podemos ensinar assim. Não temos de ter medo de fazer perguntas nem de falhar. Os alunos têm medo de se expor. Os miúdos pequenos estão cheios de criatividade e não têm problemas em fazer perguntas, mas nós matamos a criatividade na escola.

Referiu que todos concordam que o ensino deve mudar, mas continua igual há várias décadas. O que impede a mudança?
A burocracia/inércia, porque é muito mais fácil manter as coisas como estão. Acha que é fácil para um professor de Matemática juntar-se ao de Português e, em vez de ensinar a sua Matemática pela ordem que está habituado, parar e trabalhar com outro colega ao lado? O professor está habituado a trabalhar sozinho. As pessoas estão fartas de ouvir falar na Finlândia, mas é um facto que têm resultados. Eles acabaram com as disciplinas. Na rua há Matemática, Português ou Biologia? Não. Vêem-se uma série de coisas e depois fala-se sobre elas usando estas linguagens em conjunto. O que estamos a fazer é a dar tudo em separado e pedimos depois ao aluno para juntar. Assim é fácil para nós, mas para o aluno é impossível. Depois há insucesso e desmotivação. Os alunos percebem as coisas muito melhor se tiverem um problema concreto. Por que é que hei-de falar de área, dizendo que é lado vezes lado, fazendo muitas contas, quando existem tantas coisas concretas. Por que não ir à piscina com os professores de Matemática e Educação Física e enquanto fazem natação podem fazer cálculo mental, calcular o perímetro e área, fazer estimativas. Isso não vai ficar melhor na cabeça dos alunos? O que me interessa falar de percentagem se a minha filha vai a uma loja e vê um desconto de 30% e não sabe calcular mentalmente quanto custa? Então a escola é para quê?

E o que tem feito a formação de professores por tudo isto?
Espero que se acabe com a centralidade da educação. Dar um bocadinho de liberdade quando se mantém a centralidade não serve de muito, porque ainda estamos ao serviço dos outros. Queria ver o que é que as escolas escolhiam se pudessem ser elas a escolher o plano curricular. É difícil formar os professores numa metodologia e quando chegam à prática não a conseguem adoptar porque têm de cumprir o programa. Para esta nova filosofia é preciso tempo não estar obcecado com PISA e coisas do género. Fui treinador de andebol, mal de mim se quisesse formar as minhas atletas se estivesse preocupado com o jogo do fim-de-semana a seguir. O jogo é mais um treino no processo formativo. Perdi todos os jogos no primeiro ano, passados três anos só perdi um dos 36 jogos que fizemos. Não podemos pensar no curto prazo. O PISA é mais uma castração e uma invenção da conformidade desta educação do século XIX. Foi para isso que apareceu a escola: para fazer pessoas boas linha de montagem: entra o professor de Matemática aperta o parafuso, sai, entra o de Português, aperta sai... Os alunos não são para o mercado de trabalho. Isso será uma consequência positiva. Se o sistema de ensino e educação funcionarem bem, certamente teremos pessoas preparadas para serem boas trabalhadoras.

Esta mudança precisaria de um pacto governamental para 20 anos?
É evidente. Esquecer as notas, esquecer a turma. A escola tem de ser um espaço normal como outro qualquer. Tem de ser o sítio onde dê prazer estar. O ensino no pré-escolar é como deveria ser todo o ensino até à universidade: metodologia do projecto. Interiori

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