Sociedade
Sean Riley, músico: “a mentalidade portuguesa é de uma insatisfação permanente”
Afonso Rodrigues, o líder da banda Sean Riley&The Slowriders, regressou à cidade que o viu crescer, Leiria, para o aniversário do primeiro disco da banda. Falámos com ele sobre música, livros e do que é ser-se português em Portugal.
Começar, há dez anos, a carreira com um disco chamado Farewell [Até sempre] foi mais um olá de Sean Riley&The Slowriders do que um adeus?
Na época, foi visto com curiosidade o facto de o primeiro disco de uma banda ter esse título. A verdade é que foi mesmo mais um "olá" e a abertura de imensas portas para um admirável mundo novo que temos vindo a descobrir ao longo destes dez anos. Foi bom ao ponto de merecer ser revisitado.
Gomo, outro músico natural das Caldas da Rainha, quando lançou o seu primeiro álbum também lhe chamou Best of. Nada melhor do que começar a carreira com uma compilação dos melhores trabalhos?
Há muita gente que defende a teoria do que o primeiro disco é um verdadeiro best of da nossa vida até ali. Na prática, se se editar os primeiro álbum aos 20 anos, tivemos, pelo menos, dez anos para pensar nele. Farewell, sendo o vosso primeiro trabalho, era já um CD com muita qualidade, coisa que não é comum em bandas acabadas de surgir. Já tínhamos alguma maturidade quando lançámos o disco. Há bandas que lançam trabalhos, quando os elementos têm entre 17 e 20 anos... mas já tínhamos passado essa idade há algum tempo. Estávamos a meio dos nossos 20 anos e, talvez por obra do acaso, termos esperado mais algum tempo para publicarmos o álbum, permitiu uma maior maturidade. Mas, na banda, tínhamos pessoas como o Filipe Costa [Bunnyranch] e o Bruno Simões [Tu Metes Nojo] que já tinham muita experiência musical e isso contribuiu para a qualidade e exigência de Farewell. Já tínhamos ouvido muitos discos, ido a muitos concertos e feito muita coisa... Isso clarificou, na nossa cabeça, o que queríamos fazer. De qualquer modo, isto também tem a ver com o tipo de pessoa que somos e, se tivéssemos 20 anos, iríamos procurar ter o mesmo nível de exigência e de qualidade... É difícil prever o que teria sido, se o tivéssemos feito noutra idade.
Alguma vez pensaram que iriam esgotar salas, semanas antes dos espectáculos?
A sensação é excelente. No caso de Leiria, esgotámos três semanas antes, e, em Lisboa, um mês antes. É super gratificante e um sinal claro que as pessoas querem ver e ouvir o que temos para oferecer. Quando decidimos celebrar o 10.º aniversário, jamais pensámos que isto iria ter esta dimensão. Considerámos fazer uma edição comemorativa com um disco em vinil, daí passou-se para fazermos, igualmente, uma reedição do CD e, por fim, para alguns concertos comemorativos. Mas, mesmo essa ideia dos concertos, era para ser num fim-de-semana, em Lisboa, Leiria, Coimbra e Porto. Nem sequer pensámos em fazer uma tournée. No entanto, quando começámos a anunciar os espectáculos, começámos a ver as salas a esgotar... é mesmo uma boa sensação.
Como é voltar a Coimbra e Leiria, já com uma carreira de sucesso na música?
Gostámos muito de fazer o nosso percurso, mas, olhando para trás, a composição e gravação de Farewell foram dos momentos mais especiais deste trajecto, principalmente, pela novidade, ingenuidade e pela forma como, aquela primeira vez a trabalhar num disco, foi mágica. Podermos voltar a viver tudo isso e em sítios que nos são tão importantes, como Coimbra e Leiria, que são as principais cidades onde nos movimentávamos há dez anos é um sabor único de voltar atrás no tempo... faz-nos, obviamente, pensar em muitas coisas e de muitas coisas das quais temos saudades.
Por que razão o vosso som caiu tanto no goto dos portugueses?
Não faço ideia. Sei que as pessoas gostam de canções, de sentimentos e de coisas genuínas, seja no metal, no rock,no folk, no soul, seja em Inglês ou Português, seja em que área for. Devem ter sentido veracidade naquilo que fazemos e relacionaram-se com ela. Não me parece que gostem por haver uma guitarra acústica, uma harmónica ou por eu cantar com um determinado timbre. Acredito que é devido aos sentimentos que as canções lhes transmitem. Há uma sensação de verdade e o público relaciona- se com isso.
O vosso léxico, quando cantam em Inglês, também chega a ser mais rico do que o que é usado pelos próprios britânicos e pela música anglo-saxónica.
Acredito que isso dependerá do tipo de música que se escuta. Se se ouvir coisas mais contemporâneas, do pop ou da música electrónica, provavelmente, o uso do idioma não há-de ser muito aprofundado, nem exigente, porque não é necessário, já que o tipo de sentimentos que se querem transmitir não o permite e o público não o iria compreender. O Julian Casablancas, vocalista dos Strokes, dizia que, por norma, escrevia letras complexas, a roçar a poesia, porém, quando chegava ao estúdio, por cima de um riff de guitarra soa muito melhor se se disser: "yeah! Baby, Yeah!" É mais simples e as pessoas irão perceber mais facilmente, do que se se tentar transmitir uma mensagem muito complicada. Há músicas onde isto se aplica e outras não. Nós sempre traçámos um caminho muito apoiado na escrita clássica de canções e em pessoas como Bob Dylan, Leonard Cohen, Bonnie Prince Billy ou Nick Cave, que são artífices da palavra. Autores que gostam de trabalhar as palavras e cuja música assenta na poesia. A nossa música também assenta na poesia.
O que mudou no panorama artístico português desde há dez anos?
Na viagem que fiz para o concerto em Leiria, vim a falar com o Eduardo Morais, um documentarista das Caldas da Rainha, que já fez muito trabalho sobre a música portuguesa, e falámos, justamente, sobre isso. Ainda esta semana ouvi um organizador de um festival nacional a dizer que já tinha convidado seis bandas portuguesas para a edição deste ano e que, noutros anos, nem duas conseguia. Agora, se quisesse escolher 16, com grande qualidade, conseguiria fazê-lo. Há muitos fenómenos que contribuíram para uma alteração do panorama largamente para melhor. Estamos garantidamente mais ricos do que estávamos há
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