Desporto
Strodjy, os olhos das estrelas na hora de enfrentarem os monstros
Não é possível surfar ondas gigantes na Praia do Norte se não houver quem indique o caminho. Os campeões do mundo Lucas Chumbo e Kai Lenny contam com o nazareno Adriano Cordeiro para a função de spotter
Ainda o sol não tinha nascido e já Adriano Cordeiro se tinha colocado na encosta da Praia do Norte, à espera dos primeiros raios. O dia anterior tinha sido incrível, mas aquela manhã de quinta-feira prometia ser histórica.
As previsões apontavam para o melhor dia de sempre para a prática do surf de ondas grandes, um dia claro, sem vento e com dois anticiclones a juntarem-se para fazer nascer verdadeiros monstros de água das profundezas do canhão da Nazaré.
Pouco passava das sete da manhã quando Strodjy, como é conhecido no meio, começou a ver os primeiros jetskis a chegar. Neles vinham Lucas Chumbo e Kai Lenny, para quem o nazareno trabalha.
Ele é o spotter da dupla campeã do mundo, verdadeiros ícones da modalidade, reis das redes sociais, cada um deles com quase 700 mil seguidores no Instagram.
O que Strodjy faz é descobrir as ondas, lá bem ao fundo, e ajudar surfistas e motos de água de forma a estarem o mais preparados possível para quando as vagas chegarem.
Lá de cima, beneficiando do ângulo de Deus, consegue descortinar com antecedência o que se vai passar. É uma espécie de anjo da guarda, que dá os melhores conselhos e ajuda, caso seja necessário, numa eventual operação de resgate.
Bodyboarder local, com um conhecimento privilegiado das idiossincrasias da Praia do Norte, estava interessado em contribuir para o fenómeno das ondas grandes. “A Praia do Norte obriga uma análise diferente e quem chega ali de novo tem dificuldade em entender. Nós já sabemos de onde vêm as ondas e onde vão quebrar.”
Começou por aprender com o Dino Carmo, figura do bodyboard local e nacional, e também com João Macedo, surfista português que compete nas competições de ondas grandes.
E surgiu a possibilidade de trabalhar com a dupla mais famosa, patrocinada pela Red Bull. Por isso, quando, naquela madrugada de quinta-feira, se deslocou para o promontório, Strodjy sabia o que Kai e Lenny esperavam dele.
“Prepararam-se muito bem e só pediam a maior, o Kai direitas, o Lucas esquerdas, mas com segurança.” Eram oito e meia da manhã e Lucas Chumbo estava na corda, Ian Cosenza no jetski. O “swell estava gigante”. O Sol, “ainda baixo”. “Lembro-me de ver um set gigante, de umas dez ondas, e pedi para aguentarem.
Lá ao fundo cresce uma onda e Strodjy dá-lhes a sensação de vista aérea que não conseguem de outra forma. “Demora mais ou menos um minuto a chegar a terra. A direcção começa a rodar e é isso que interessa, porque muitas vezes cresce uma onda grande, mas que acaba por dissipar-se pelo cruzamento de outras ondas.”
Não é o caso. “Ian, estás à escuta? Pela minha posição estás entre o pico um e o pico dois inside e em trinta segundos vão entrar três ondas do set no pico dois.”
Foi um sucesso, Lucas apanha a onda e consegue-a levar até ao fim. “Disse que era a terceira e foi mesmo a terceira que acabou por bater e ser aquele monstro. Ganharam a prioridade e acabaram por fazer aquela onda perfeita.”
E depois da “descarga de energia”, dos assobios e dos gritos, fica a sensação de “sintonia” entre toda a equipa. “É sempre aquela descarga, depois ficamos na contenção para ver se corre tudo bem. Ok, saiu, perfeito!”
Num dia de inúmeros monstros, todos ficaram maravilhados. Andrew Cotton, por exemplo, admitiu que “nunca tinha andado tão depressa” numa prancha. “Provavelmente as maiores ondas já surfadas na história da Nazaré”, prosseguiu Carlos Burle, que esteve no jetski com Kai Lenny.
Perto da uma da tarde foi a vez de o havaiano Kai Lenny conseguir uma onda daquelas. Maior do que a do colega Lucas Chumbo? “São as duas gigantes”, explica Strodjy, “A do Lenny foi mais piramidal, a do Lucas mais onda e a determinado ponto cresceu mesmo muito.”
A relação é, “tem de ser”, de confiança absoluta. Nos outros locais, a função de spotter é sobretudo direccionada para a segurança, mas na Nazaré é também “táctica”. “Em Jaws e Tehaupoo por exemplo, a onda rebenta sempre no mesmo sítio, mas na Praia do Norte é importante perceber onde vai aparecer.
Sabem que sou uma ajuda valiosa, porque quando está grande não sabem o que ali vem. Pode estar a chegar uma de 30 metros mas se estiver uma de 15 à frente eles não vêem o que está por trás”, explica Adriano Cordeiro.
“Outras vezes, quando está mais parado e estou calado, pedem-me para falar. Acabo por ser uma companhia”, revela. Ora, esta relação de dependência acaba por causar algum stress a quem está em cima do morro.
“Acabamos por ter toda a responsabilidade sobre o que está a acontecer. Uma má informação ou uma distracção pode ser fatal e nunca pode acontecer. Por outro lado, estando na equipa campeã mundial, acabo por ter essa obrigação de lhes dar as melhores ondas. Tenho de estar mais atento do que os outros e falar mais cedo do que os outros.”
Apesar de haver alguma competitividade, não pode haver rivalidade entre spotters. “Estamos ali para nos protegermos uns aos outros e se acontecer com alguma coisa a outra equipa eles sabem que podem contar comigo e vice-versa", explica o nazareno.
"Há muita cumplicidade, mas é claro que se alguém vê uma onda primeiro do que eu vou ficar com aquela mordida na orelha. Não me parecia boa e afinal é boa? Mas muitas vezes sou o primeiro a falar, o nosso jetski vai posicionar-se melhor e há aquele olhar dos colegas do então, e nós?”
Entretanto a sessão chega ao fim e histórica para a equipa. À noite, juntam-se no restaurante Maria do Mar, na vila, para celebrar um dia para jamais esquecer. Lucas Chumbo admitiu que a sessão vai ficar marcada “na história da Nazaré” e na própria “vida”.
Já Kai Lenny não teve dúvidas em afirmar que apanhou “a maior onda” da sua existência. “Parece que estivemos sempre a surfar juntos. Quando nos vimos houve um abraço, um sorriso, um obrigado”, conta Strodjy.
“Disseram que foi grandão, gigante, que era a maior onda da vida deles, que estavam loucos e até fizeram um brinde às ondas, mas ninguém falou em recordes.
Aliás, que fique claro, a ambição deles não é bater o recorde mundial, mas surfar as maiores e partir a loiça toda. Só querem torres para descer. Se tiverem 30 ou 40 metros melhor.”
Mas este também guarda-redes de andebol, especialista na variante de praia, acredita que os 24,38 metros surfados pelo brasileiro Rodrigo Koxa, naquela praia, em Novembro de 2017 pode mesmo estar em risco.
“Acredito que foi batido e mais do que uma vez. As condições estavam clássicas para surfar e vi lá ondas incríveis, próximas do que vi com o Koxa.” Agora, “pode ser um metro para cima ou para baixo”.