Sociedade
Susana Carvalho:"Quanto mais tempo passo com os chimpanzés, mais acho que não somos nada de especial"
Professora em Oxford, a investigadora de Leiria tem-se destacado, a nível mundial, pelo estudo dos chimpanzés. Até Setembro está na Gorongosa, em Moçambique, a liderar um projecto de investigação
Dedica-se há anos ao estudo dos primatas. Como é que lhe surgiu o interesse por esta área de estudo?
O interesse pela primatologia começou quando fiz o mestrado em evolução humana em Coimbra e com uma viagem ao México, onde tive a oportunidade de ver e estudar alguns macacos no seu habitat natural. Sempre tive muito interesse em estudar a origem das tecnologias e onde surgiu a nossa dependência por elas. Alguns primatas, como os chimpanzés, são excelentes utilizadores de ferramentas, sejam de pedra ou de outros materiais. Durante o mestrado surgiu-me o interesse de compreender as tecnologias humanas mais antigas através do estudo dos nossos 'primos' mais próximos, que são os chimpanzés.
O que mais a fascina nos chimpanzés?
Tudo, incluindo o meio onde vivem. É a floresta, é África, são as pessoas. Os chimpanzés são criaturas completamente fascinantes. Fascina-me a sua inteligência e o seu comportamento social, que é tão complexo e parecido com o nosso. Quanto mais tempo passo com os chimpanzés, mais acho que não somos nada de especial. Também me fascina a sua tolerância. É um privilégio passar dias inteiros na floresta e ser tolerada por grupos destes primatas, que estão à beira da extinção. Quando habituados à presença dos investigadores, deixam-nos 'coscuvilhar' a sua vida. Ao tentar pôr-me no lugar deles, a imaginar alguém o dia inteiro atrás de mim a observar o meu comportamento, percebo o quão difícil é.
Diz que estudar os chimpanzés ajuda a ver o mundo com mais lucidez. De que forma?
Estar em África ajuda a ver o mundo com mais lucidez. Quando lá chegamos, pomos todos os problemas em perspectiva. Ali, vive-se um dia de cada vez. Ninguém faz planos a cinco ou dez anos. Na maioria, as pessoas estão preocupadas em chegar ao dia seguinte e em conseguir alimentar a sua família naquele dia. No fundo, os chimpanzés têm uma vida idêntica. Não se preocupam com os problemas de amanhã. Vivem a vida com uma simplicidade invejável. Quando saímos de um mundo marcado pelo stress diário e pela competição permanente e temos a oportunidade de passar 12 horas na floresta, a ver a vida deles, todas essas questões se evaporam. São reduzidas à insignificância que deviam ter sempre. Os chimpanzés têm muito da essência básica daquilo que define os humanos, em termos de cooperação e de altruísmo, por exemplo.
Ou seja, não há assim tanta diferença entre os chimpanzés e a espécie humana como nós os humanos gostamos de pensar.
Não, não há. A nossa educação é altamente antropocêntrica. Obviamente que somos especiais. A dado ponto, demos o salto, quando apareceram os primeiros homo, um salto em termos de capacidade cerebral e de todos os comportamentos modernos associados a isso e que não têm comparação no reino animal. Neste momento, discute-se muito que animais têm comportamentos culturais. Há estudos para cetáceos, baleias, chimpanzés e outros. Comparando com os humanos, a diferença é mais quantitativa do que qualitativa. Há poucas coisas que são só dos humanos. O que nos define não é assim tão exponencialmente diferente de outros primatas, especialmente, dos grandes símios.
O que nos separa, então, deles?
O bipedismo, a linguagem articulada e a alta encefalização (mas as baleias e os cetácios também a têm). Outra diferença é aquilo a que se chama cultura cumulativa, ou seja, a capacidade de absorver milhões de unidades de informação armazenada pelos nossos antepassados. Isto é algo que os animais não fazem. Há ainda o ensino activo, que é a capacidade que temos de ensinar algo a 10, 100 ou 200 pessoas, associada à linguagem articulada, que nos permitiu fazer um caminho que nos tornou numa espécie que é uma 'epidemia global'. Em todos os nichos ecológicos, desde o árctico ao deserto, há humanos. Temos uma capacidade de adaptação incrível aos habitats. Isso também é único nos humanos.
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