Desporto
Troca o volante pelas ferramentas para salvar enguiçados no Dakar
Nuno Fojo é um conhecedor profundo da mecânica dos Polaris e vai estar na Arábia Saudita para auxiliar pilotos aflitos. O papel que tem nesta aventura vai, contudo, muito além de ter de sujar as mãos
A 3 de Janeiro, precisamente desta quinta-feira a um mês, arrancará na Arábia Saudita mais uma edição do Dakar Rally. Serão três mil quilómetros de deserto, de dunas traiçoeiras, de calhaus inesperados no meio dos trilhos e, inevitavelmente, de muitas avarias.
as mesmo perante este panorama dantesco, rara é a pessoa ligada aos motores, seja de duas ou quatro rodas, que não sonha, um dia, participar na mais mítica prova que se corre no planeta.
Nuno Fojo não é excepção e está prestes a participar no evento mais desejado. Não será, contudo, da forma que sempre sonhou. Aos 47 anos, este cidadão da Marinha Grande radicado há 11 anos no Brasil terá de meter as mão na massa.
“Este ano a ideia é levar os americanos para sentirem o gosto e comprar esta minha briga pessoal, por isso tenho de estar na primeira linha de apoio”
Vai seguir como mecânico e segundo piloto no camião com o número 521, que terá ao volante a lenda espanhola Alberto Herrero, com mais de dez participações na prova. Apesar de estar em competição, o veículo terá como prioridade máxima apoiar os três SSV – vulgo buggies - da equipa oficial da Polaris.
“Não vou como a minha habilidade como piloto, mas como um especialista técnico. Se alguma coisa de grave acontecer, como uma quebra de caixa de velocidades ou de turbo, que não dá para arranjar com as peças que os pilotos levam no carro, eu estarei lá. Vou no camião para poder fazer a assistência em prova e garantir que todos os dias chegam ao fim.”
Responsabilidade
Já falámos do papel activo de Nuno Fojo na prova que se realizará na Arábia Saudita, mas a responsabilidade dele nesta aventura é de outro patamar. Aliás, a ideia de a marca voltar ao Dakar foi dele. Actualmente, é gerente internacional do produto RZR e responsável pela secção desportiva da marca, especialmente na América Latina.
Mesmo assim, sempre que tem tempo, faz umas provas esporádicas. Contudo, os tempos em que foi campeão brasileiro de bajas de SSV, como em 2012 e 2014, já já vão. “Não tenho mais tempo para fazer campeonatos inteiros”, explica. Ainda assim, muotos dias são passados em testes.
Este ano, então, para marcar uma posição frente a principal rival no mercado, decidiu criar a equipa americana que vai correr o Dakar. “A Can-Am esteve muito forte nas últimas três edições e perdemos relevância a nível internacional, o que me estava a deixar com uma azia do caraças.”
Para a aposta ter impacto nos Estados Unidos, a Polaris RZR Factory Team vai ter três pilotos daquele país a pilotar os três carros da marca. Serão conduzidos pelo casal Wayne e Kirsten Metlock e por Craig Scanlon.
“E eu, como também sou gerente de serviço e pós-venda na América Latina e tenho um conhecimento muito grande da preparação, vou correr no camião de apoio em prova”, explica o responsável.
“A minha ideia era fazer um dia o Dakar de Polaris, mas este ano a ideia é levar os americanos para sentirem o gosto e comprar esta minha briga pessoal, por isso tenho de estar na primeira linha. O objectivo é ter para o ano um time internacional oficial, com os americanos, mas também uma outra equipa, em que eu também poderei correr. Pronto, é esta a razão para o Nuno Fojo, dos confins do Judas, ir parar ao Dakar.”
“Vida prazerosa” em Indaiatuba
Há 11 anos que não regressa à Marinha Grande, mas Nuno Fojo fez questão de não se naturalizar. “Sou muito orgulhoso do nosso país e fui o primeiro português a ganhar uma categoria de rali no Brasil”, conta. Tem “uma vida prazerosa”, junto da esposa e das duas filhas, em Indaiatuba, cidade do estado de São Paulo mais à dimensão de quem viveu sempre em localidades de média dimensão. É lá que a Polaris tem um hub, a uma centena de quilómetros da megalópole, e onde pode treinar e testar os SSV numa “fazenda de cana com 50 quilómetros de traçado”. “O Brasil é uma maravilha, mas acaba por ser caro para poder ter uns colégios muito bons para as minhas filhas e um nível de vida porreiro.” Sem tempo livre desde que defende a marca americana, a pandemia boicotou a visita à família planeada para este ano. O pai, António, que nos anos 70 do século passado corria com um Gordini, foi quem lhe passou o entusiasmo pelos automóveis, reforçado quando chegou ao Brasil e foi convidado para defender as cores da Polaris. A bandeira portuguesa também vai estar representada por ele no Dakar onde, não tem dúvidas, irá conviver de perto com Ricardo Porém, filho do “amigo” Luís. “Andei com ele ao colo da última vez que o vi.”
Mas não está descansado. Preocupa-o a rudeza desta prova, sobretudo num camião “de classe média”. “Sofre-se fisicamente e por isso estou um pouco tenso. Pelas imagens que vejo, levam umas porradas grandes e o nosso camião não tem os equipamentos de primeira linha dos que lutam pela vitória.”
Sente, contudo, que é um trabalho que tem de ser feito para voltar a dar relevância à Polaris. “Nos seis anos em que ganhámos ainda não havia pilotos de referência a correr nos SSV. Quando a Can-Am entrou na briga, começou a haver mais gente a sério e agora não tem outro jeito. Temos de ter pilotos de ponta, profissionais. As equipas B é que servirão para esse pessoal com dinheiro, que quer ter uma experiência no Dakar mais barata do que de carro. Só têm de comprar, sentar ao volante e correr.”
Bom, para a edição 2021 a prioridade é deixar uma “boa imagem”. Para isso, “o time é gigantesco”, “coisa de primeiro mundo”. “Só há duas ou três equipas nos automóveis como nós. São 30 pessoas, um camião 4x4, mais dois 6x6 só para oficina, um camião hotel, um camião cozinha, três autocaravanas e uma pick-up. Queremos mostrar a toda a gente que a Polaris investiu.”
Virá pela primeira vez com uma equipa oficial e terá muita visibilidade. “Vai ser uma aventura do caraças, se me vou divertir não sei.” No cargo que ocupa, “a pressão e a responsabilidade são muito grandes”.