Opinião

20 20 “Gentillesse”

4 jan 2020 00:30

2019 foi ano e final de década com muito ruído.

deixa o tempo fazer o resto  
fechar janelas  
aplacar os barcos  
recolher os víveres  
semear a sorte  
acender o fogo  
esperar a ceia  

abre as portas: lê a luz  a sombra,
a arte do passarinheiro
com três paus fazes uma canoa
com quatro tens um verso,
deixa o tempo fazer o resto

in Vago Pressentimento Azul Por Cima, de Ana Paula Inácio

2019 foi ano e final de década com muito ruído. Mas houve sons que falaram mais alto. Para 2020 Vandana Shiva deseja “uma mudança para uma civilização baseada na biodiversidade baseada em nosso retorno à terra - em nossas mentes, nossos corações, nossas vidas - agora é um imperativo de sobrevivência”.

Uma nova/velha geografia global/local e a consciência que um gesto novo (gesto entendido como um modo de agir e repousar), precisa-se.

Parece claro que queremos todos um mundo melhor, que o mal e o bem são ambos uma mesma pertença, que homem, cão, gato, pedra, flor, mel, urso, montanha, rio, mar, vento… são um todo e o mesmo, que o tempo continua e nós, nós tudo e todos, contamo-lo/ registamo-lo e que parece claro que há uma espécie nesta terra cuja acção tem predominado nesta era – o homem e cuja consciência da sua pertença a um sistema maior é inalienável para a qualidade do que somos e muito em particular do que queremos.

Precisamos de um gesto agregador. Este gesto obriga à consciência de nossa pertença e do que nos une, à consciência da diversidade do outro.

A diversidade e o encontro, leia-se o em com o outro, determinam o gesto para 20 20 - gentillesse.

É no sistema de relações, como se criam e constroem, que a consciência deve navegar e sim é importante que saibamos que a terra do Sarah fertiliza a Amazónia, que os químicos que usamos na agricultura em massa nos estão a adoecer, e que o pólen é transportado pelo vento e que as abelhas fabricam o mel desse pólen, e que o plástico que se deita na sanita vai para o mar, o mesmo mar que queremos veranear, que os incêndios consomem o nosso oxigénio e que desalojam muitos e diversos seres, e que as cidades que habitamos ocuparam as cabeceiras das linhas de água e que a água tem de correr e como não tem para onde inunda as cidades e como não a retemos depois temos seca, e que tenhamos consciência que esta nossa era de sobranceria do homem teve muito a ver com a exclusão desde logo de género humano – homens e mulheres.

A era humana seguiu com os dois, mas deu-lhes caminhos diferentes pelas acções que determinou e registou.

A história da história da Terra precisa de novas leituras dos registos e de se desempoeirar de dogmas, da exclusão do diferente com a consciência que mão, coração e cabeça são um mesmo gesto. Razão e emoção no gesto.

“Ausentes, são os deuses mas presidem, Nós habitamos nessa Transparência ambígua. Seu pensamento emerge quando tudo De súbito se toma Solenemente exacto. O seu olhar ensina o nosso olhar: Nossa atenção ao mundo É o culto que pedem”, diz Sophia. Gentillesse, o gesto para 2020.

Feliz Ano Novo!