Opinião
A eternidade com fim à vista
Andam para aí uns tipos a pedir-nos que nos apaixonemos por eles, a dizerem o que pensam que queremos ouvir
O amor é uma coisa que nos embaraça a vida. Investimos nele toda a nossa expetativa e quase sempre acabamos com a sensação que nos perdemos de nós. Em boa verdade gostamos de acreditar no mito do andrógino, pelo qual algures pelo planeta haverá uma metade de nós que nos complementa, uma cara-metade, uma alma gémea, um encaixe perfeito que viria preencher o espaço lacunar de nos sentirmos abandonados quando damos por nós a ficar desligados do cuidado permanente e incondicional a que nos habituamos quando carecíamos do desvelo absoluto de quem cuidou de nós em crianças.
Lá seguimos, vida fora, na busca desse outro que nos adivinharia as palavras mesmo sem as pronunciarmos, um entendimento feito só de olhares e de gestos antecipados. Olhamos alguém e centramos o nosso olhar na contemplação do olhar do outro sobre nós. Gostamos de nos ver refletidos no olhar do outro, reconhecimento do que pensamos ser o melhor de nós e que usamos para manter o outro por perto, atraído, constante. Há quem lhe chame paixão, estado arrebatado de intensidade de sentir.
Na verdade, dizemos que o outro é apaixonante porque ele está apaixonado por nós e, convenhamos, gostamos e precisamos de nos sentir amados para dar sentido a esta coisa que é viver todos os dias e cada instante de cada dia. Amar é dar ao outro aquilo que ele não nos pede. Porém, nem sempre damos o que o outro necessita naquele momento ou porque está demasiado cheio de si – e de outros outros, coisas e afazeres – não tem espaço em si para receber mais nada.
É um desencontro, um querer dar sem ter quem receba, um não-espaço para entregar, a descoberta, enfim, do desamor. E ficamos sozinhos. Por vezes, abandonados à nossa solitude, outras sozinhos de facto quando o outro resolve partir na demanda de uma outra qualquer meia-laranja no qual pensa vir a aderir perfeitamente até à sua próxima desilusão. Sobra-nos sempre um último reduto de acolhimento, o refúgio da amizade, o sítio onde o amor pelo outro tem sempre lugar e que dá sempre certo.
Aos amigos, os maiúsculos, não precisamos ocultar as zonas mais sombrias de nós. Sabem-nos humanos e frágeis, acolhem-nos os queixumes tal como nos suportam os momentos de alegria transbordante e muitos disparates que fazemos ou nos saem da boca para fora. Em boa verdade sabem de nós os aspetos menos bons que ocultamos na parceria amorosa porque tememos que a coisa amada nos deixe de amar.
Mas a minha intenção inicial quando comecei a escrever este texto, não era falar de amor. Queria mesmo era refletir com palavras sobre as escolhas que iremos fazer para o nosso país nas próximas semanas e que condicionarão a vida de todos nós nos tempos mais próximos. É que andam para aí uns tipos a pedir-nos que nos apaixonemos por eles, a dizerem o que pensam que queremos ouvir, a pedir-nos que esqueçamos a realidade e nos entreguemos a um estado de contemplação das suas pessoas, fazendo-nos esquecer de nós.
Sim, estou a falar de alguns propagandistas políticos que defendem um Estado repressivo com a perda da nossa liberdade de viver, falar, pensar, e que tentam iludir os incautos com promessas de um amor eterno com fim à vista.