Opinião
A intolerável visão de Putin a sorrir
Não me largavam as imagens que antes tinha visto num ecrã: Xi Jinping em Pequim e Putin em Moscovo, ambos a sorrir
Em Março, sentada na plateia do Teatro José Lúcio da Silva, enquanto aguardava o início de um concerto da Orquestra Jazz de Leiria com Kurt Elling, não me largavam as imagens que antes tinha visto num ecrã: Xi Jinping em Pequim e Putin em Moscovo, ambos a sorrir! Não sei porquê, mas o meu pensamento concentrou-se em Putin e de imediato me pus a pensar no que o levará a sorrir.
Sendo ele o principal culpado pelo início de uma guerra sem sentido, responsável já por centenas de mortes de jovens russos, como pode ele, perante o seu enlutado povo, apresentar-se, despudoradamente, a sorrir?
Ora, de ter andado tantos anos, como professora, a tentar que crianças se motivassem para que, perante um problema, se sentissem um recurso para o resolver e não se acomodassem a ser uma parte dele, identifiquei em nós, povos ocidentais a viver em democracia, uma causa possível para um esgar desse escandaloso sorriso.
É que se no início da guerra a maioria dos ocidentais foi capaz de colocar de lado os seus interesses e sentindo-se também a combater nessa guerra, tudo fez para tentar satisfazer as necessidades dos “nossos” ucranianos, ao longo do tempo, parece que fomos desertando desse campo de batalha.
Talvez por aquilo a que a psicologia comportamental chama de habituação e que consiste na diminuição de uma resposta referente a um estímulo novo que conduz a que ele passe a ser ignorado, quando é percebido como um estímulo não causador de problemas na vida do indivíduo. Ora eu sinto que é isto mesmo que nos anda a acontecer.
Já nos acostumámos à presença constante dos estímulos ligados aos horrores da guerra e passámos a vê-los quase como naturais e daí, com o passar do tempo, foi preciso só um saltinho para os sentirmos como “coisas dos outros” que não afetam e nada têm a ver com o dia a dia das nossas vidinhas. E Putin sorri! Junta-se, depois, a Cirilo I, líder da Igreja Ortodoxa Russa e ambos dão umas valentes gargalhadas: o comportamento dos bispos portugueses perante a pedofilia na sua Igreja Católica é tão miserável que, de facto, dele só os criminosos se conseguem rir!
E, não se fica por aqui! Pequenino, mas sentindo-se grandioso ao estar sentado no seu sumptuoso gabinete de ditador chegam-lhe notícias que lhe dão conta das intermináveis greves e manifestações que andam a explodir por todas as democracias europeias e percebe que a indiferença social e a insensibilidade, perante os horrores e sofrimento provocados pela guerra que ele iniciou já se instalaram nas gentes europeias.
Conclui que não mais essas gentes, se irão assumir, como um recurso, na resolução desse conflito. E sim, Putin, mais uma vez tem motivos para continuar a sorrir…
Entretanto o maestro César Cardoso e a Orquestra Jazz de Leiria puseram-se a tocar e foi tão extraordinária a sua atuação que durante o concerto não mais me lembrei que estou em guerra. Mas, infelizmente, estou e não paro de pensar no que posso eu fazer para ajudar a pôr um fim à intolerável visão de Putin a sorrir.