Editorial

A semântica que corre nos nossos rios

26 abr 2021 14:20

Já o mérito das escolhas pode (e deve) admitir espaço para o escrutínio, sobretudo quando se trata de matéria do interesse público.

Todos sabemos que a única saída para resolver um problema é encontrar uma solução. Grosso modo, primeiro identifica-se a dificuldade, depois toma-se o pulso aos prós e contras, e finalmente toma-se uma decisão. A fórmula parece consensual.

No entanto, a forma como se aplica, é que, por vezes, se revela titubeante, devido aos diferentes modos de interpretação. Há quem consiga a resolução efectiva de um problema com ‘a solução’, mas há também quem ultrapasse as dificuldades baseando-se numa perspectiva de solução que tem mais de semântica do que outra coisa qualquer.

Melhor explicado, para uns, solução é sinónimo de problema genuinamente resolvido e ponto final; para outros, a resolução de uma dificuldade pode passar por uma intervenção de ‘recurso’ ou por um ‘reparo’.

Em ambos os casos as opções são legítimas.

Já o mérito das escolhas pode (e deve) admitir espaço para o escrutínio, sobretudo quando se trata de matéria do interesse público.

Esta semana, o JORNAL DE LEIRIA divulga os resultados do estudo anual que a associação ambientalista Oikos tem vindo a fazer à qualidade da água na bacia hidrográfica do rio Lis. E, por incrível que pareça, as conclusões nem são propriamente uma novidade.

Os índices de contaminação continuam bastante mais altos no troço do Lis à saída da cidade do que depois da confluência com a ribeira dos Milagres. Quer isto dizer, em termos genéricos, que os esgotos da cidade continuam a poluir mais do que as suiniculturas. Não sendo um problema novo, o executivo da Câmara de Leiria diz reconhecer a fragilidade do sistema.

Admite que a rede de saneamento da cidade está envelhecida, que há ligações ilegais de esgotos à rede pluvial e que continuam a existir colectores unitários, onde as águas residuais se misturam com as da chuva.

A solução, segundo o Município, passa por ir aproveitando a requalificação das ruas da cidade para reformar estas infra-estruturas. É uma medida razoável, não fosse a realidade levar a crer que se trata apenas de uma questão de semântica.

Dois casos concretos: a recente requalificação da avenida Nossa Senhora de Fátima, por exemplo, custou 650 mil euros em trabalhos a mais porque só no decorrer das obras se detectou a necessidade de separar a rede de esgotos domésticos da rede pluvial.

Já as últimas obras na avenida Heróis de Angola nem sequer contemplaram a tão reclamada intervenção de fundo, também na parte que diz respeito à rede de saneamento.