Opinião

Afirmar o jornalismo (ou fazer de conta)

16 fev 2017 00:00

Passou um mês desde que os jornalistas portugueses se reuniram em congresso, coisa que já não acontecia há quase 20 anos.

Foram três dias de (re)encontros, muito debate e propostas – para recuperar aqui. E depois?

Uma das resoluções que de lá saiu foi o boicote a conferências de imprensa sem direito a perguntas. Mereceu aplausos, que entretanto se ampliaram quando o Jornal de Barcelos decidiu deixar uma página em branco, guardada precisamente para dar conta do sucedido numa conferência de imprensa para o qual fora convocado e na qual as perguntas deveriam de ficar à porta.

Muitos apelidaram de “coragem”, fazendo eco nas redes sociais online e daí rapidamente chegou aos media nacionais. Mas foi sol de pouca dura. Dias volvidos, eram alguns desses media a tratar e publicar notícias resultantes de conferências de imprensa onde os jornalistas não puderam questionar os intervenientes – primeiro o antigo primeiro-ministro José Sócrates e depois a apresentadora de televisão Cristina Ferreira.

Então e a resolução do congresso? Esquecimento generalizado (jornalistas a editores)?

Procurando estar atento ao que se passa nos media e no jornalismo português em geral, e nos regionais e locais em particular, levei algumas propostas para aquele congresso. É preciso:

1) Afirmar o jornalismo, junto dos jornalistas. Porque, entre outras coisas, é difícil de compreender e aceitar que jornalistas de meios nacionais se sirvam de trabalhos desenvolvidos por colegas de meios regionais, sem indicar a origem – algo que já não sucede quando se trata de citar a concorrência ou os meios internacionais, inclusivamente regionais estrangeiros.

2) Afirmar o jornalismo, junto do poder central, organismos estatais e públicos. Não é admissível que seja vedado ou retardado o acesso a informação daquelas instituições aos jornalistas, só porque trabalham em meios regionais ou locais.

3) Afirmar o jornalismo, no acesso aos títulos profissionais. Por um lado, temos diretores de publicações – com carteira profissional de equiparado a jornalista – sem qualquer formação ou prática jornalística. Nunca leram o estatuto ou o código deontológico do jornalista, mas dirigem jornalistas. Ou então criam publicações e fazem tudo sozinhos, desmultiplicando-se com frequência por atividades incompatíveis – segundo o estatuto do jornalista, este não pode angariar publicidade, por exemplo. Por outro, também temos este tipo de cenário envolvendo pessoas com formação e carteira profissional de jornalista. Resumindo, é preciso analisar caso a caso e não “meter tudo dentro do mesmo saco”. A bem do rigor, honestidade e credibilidade.

Volvido este mês, importará lembrar que o estado das coisas, que vai muito além dos exemplos aqui referidos, não tem a ver só com os jornalistas ou com os responsáveis dos media. Envolve-nos a todos. Porque há coisas que os profissionais têm a obrigação de fazer e o público de exigir. E em pleno ano de eleições autárquicas, toda a atenção é pouca. Aos media, aos jornalistas, aos partidos políticos e aos candidatos.

*Professor universitário e investigador de media e jornalismo