Opinião
Agora torno-me na Morte, na destruidora dos mundos
Queremos individualizar as culpas destas manifestações tenebrosas que teimamos em não querer resolver, mas no final a humanidade somos todos nós
O titulo é uma citação extraída do texto sagrado hindu Bhagavad-Gitar, que se tornaria famosa vinte séculos mais tarde, durante a marcante entrevista de Julius Robert Oppenheimer após testemunhar a primeira detonação de uma arma nuclear em 16 de julho de 1945.
Com o poder do Apocalipse na mão, o Homem perdeu o seu equilíbrio com Geia, a deusa mãe, tornando-se destruidor da sua casa, como um adolescente que faz o caminho da Morte, o caminho do órfão em relação à casa que o acolhe: a Terra.
Ao abandonar a Natureza algures no Neolítico, o Homem começou progressivamente a alterar as regras, tirou a seleção natural da equação, adaptando o meio ambiente a si e vestindo a roupagem de um Deus. Como Deus que era, a sua casa tornou-se inadequada, a Terra tornou-se demasiado pequena para tanta divindade. O Homem começou a redecorar a sua casa sem pensar na fatura, pois a contabilidade não é assunto para deuses e, no final, as dívidas são para ir pagando...
Globalmente, deveríamos ser bem melhores, no entanto, não conseguimos vestir o fato que a evolução talhou para nós. Como Nietzsche diria, parece que o Homem continua a ser uma ponte para algo melhor que nunca mais parece acontecer. Uma espécie pária no seu habitat: em suma, um animal não estabilizado.
O Homem é o lobo do homem, aforismo de Plauto, popularizado por Hobbes, emula, de certa forma, a metáfora onde o Homem parece estar encurralado. Como o Hobbit que transporta o anel, milhões de seres humanos vivem uma vida que não escolheram, manietados pela vontade do lobo. O Homem mantém uma certa atração pelo abismo, sendo disso exemplo a atual guerra da Rússia com a Ucrânia. Esta traz o travo do medo, o irracional do nuclear e com ele o receio do regresso a um local aonde nunca mais pensámos regressar. Queremos individualizar as culpas destas manifestações tenebrosas que teimamos em não querer resolver, mas no final a humanidade somos todos nós. Putin, o lobo da moda é acompanhado por outros nesta dança pelo domínio global. Muitos destes lobos sem rosto ordenham a Ecosfera em seu benefício para manter quente o seu banho de diamantes e caviar, enquanto nós, qual rebanho adormecido, fluímos alegremente entre redes sociais e dilemas futebolísticos como um amálgama inerte incapaz de se questionar.
Existe uma dualidade na natureza humana de tal forma antagónica que, se pedíssemos à Maya para analisar a Humanidade, ela, provavelmente, diria que esta é do signo gémeos porque tem dupla personalidade. Produzimos a pintura, a poesia, a medicina, aumentámos a longevidade. Mas, por outro lado, temos um Apocalipse agendado com a poluição, as guerras, a fome, as violações, a pedofilia. Infelizmente, para cada Godall, Pasteur, Fleming ou Lovelock, existe uma data de Putins, Estalines, Mobutus, Hitlers e Jimmys Savilles.
Talvez tenhamos abandonado muito cedo a floresta. O cérebro do caçador ainda está demasiado presente. Contudo, na aurora dos tempos, as suas piores ações tinham o impacto das outras espécies. Entre os paus e pedras tudo parecia mais simples e, parafraseando Einstein, parece que é para os paus e pedras que estamos a voltar.
Na aurora da civilização, a dualidade humana mantinha o sopro da Natureza. É fácil divagar sobre a imagem de um caçador no seu trilho empoeirado, de regresso a casa. Tinha matado para comer. Tinha sido um demónio para com os seus pares na competição pelo melhor quinhão... Contudo, na chegada ao lar, o seu rosto ocre esboçaria o sorriso dos simples enquanto olhava com amor para a mulher cujos dedos finos acariciavam o seu filho que teimava em não dormir. Nesse instante, o seu sorriso ser-lhe-ia correspondido porque tudo estava bem.