Opinião

Ah! pois dá!

28 mar 2022 12:12

Ao deus Dará

Se não saiu poderia muito bem ter saído um estudo revelando que elogiar alguma coisa publicamente faz com que os cabelos nasçam  mais fortes, o feng shui pessoal cheire a lavanda fresca na primavera e que mais homens andem de mota com o capacete no cotovelo. Normalmente sou céptico em relação a estudos rocambolescos, mas tempos desesperantes provocam medidas desesperadas e há poucas coisas que me fascinem tanto como indivíduos a andar de mota sem lei pelas terras deste lindo Portugal. 

A semana passada terminou uma coisa bonita em que tive a honra de participar chamada "A música dá trabalho", é um projecto Omnichord que, traços gerais, consiste em ir montar um concerto às escolas, sob as vistas dos alunos desde o minuto zero. Carregar e montar o material, fazer o sound check e só depois, tocar.  E, dar a conhecer também,  profissões menos óbvias que estão associadas a uma banda que chegue ao patamar que nem todas as bandas chegam mas gostariam. Agente. Stage Manager. Publisher...  e fotógrafo. Eu era o fotógrafo. 

Para além de educar o público pela raiz, esse desafio esmiuçado em tantas reuniões culturais. Para lá de voltar a dar trabalho a um sector tão afectado pelas circunstâncias pandémicas que passámos ou passamos. Extra fomentar o prazer de pertencer a uma banda, ou à cultura, e alimentar a esperança que no futuro sejamos mais. De elucidar sobre todos os meandros e particularidades do meio. De ser inventivo, diferente e potenciador de coisas boas. Este projecto teve o condão de providenciar acesso, a miúdos que de outro modo não conseguiriam, à alegria de ver um concerto. De dançar, de cantarolar e saltar ao som de vários acordes e ritmos, na sua própria escola. Ricos e pobres. Altos e baixos. Brancos e pretos. De óculos e visão telescópica. "Caríiiiiissimos", é assim que se faz, aplausos para vocês, se faz favor!

Para mim, ver o Afonso com uma ginga que desconhecia a cantar no meio de adolescentes maravilhados na escola em que o vi começar nas lides musicais foi de amar a vida. Ter todo um recreio cheio de miúdos a dançar ao som da batida do Pisco na sua escola primária foi uma malha do Cabrita. E ainda agora me abano com a entrada sónica dos Nice Weather For Ducks na secundária onde andaram. E respiro sereno ao lado dos miúdos da pré com o som doce da Labaq. Porque as memórias reforçam as experiências que mudam o sentido do caminho. E acredito mesmo que para além de trabalho a música pode dar salvação. Se calhar ainda há chance para nós, para isto correr melhor. 

Às vezes, para além de uma aldeia, é preciso uma banda para educar uma criança e é preciso que essa banda persista, cresça e seja aplaudida, para que vá ter com a criança onde ela está, se necessário. Ao bairro, a casa, à escola. Porque eu ouvi o som das crianças no recreio, e tirando os gringos de capacete no cotovelo, garanto-vos, não há coisa melhor. Por isso vai daqui aquele assobio de quatro dedos enfiados na boca e o grito que se impõe: Mais uma! Mais uma! Mais uma! 

- Ui! O que é isto? Serás tu cheiro fresco a lavanda?!