Opinião
Ah! pois dá!
Ao deus Dará
Se não saiu poderia muito bem ter saído um estudo revelando que elogiar alguma coisa publicamente faz com que os cabelos nasçam mais fortes, o feng shui pessoal cheire a lavanda fresca na primavera e que mais homens andem de mota com o capacete no cotovelo. Normalmente sou céptico em relação a estudos rocambolescos, mas tempos desesperantes provocam medidas desesperadas e há poucas coisas que me fascinem tanto como indivíduos a andar de mota sem lei pelas terras deste lindo Portugal.
A semana passada terminou uma coisa bonita em que tive a honra de participar chamada "A música dá trabalho", é um projecto Omnichord que, traços gerais, consiste em ir montar um concerto às escolas, sob as vistas dos alunos desde o minuto zero. Carregar e montar o material, fazer o sound check e só depois, tocar. E, dar a conhecer também, profissões menos óbvias que estão associadas a uma banda que chegue ao patamar que nem todas as bandas chegam mas gostariam. Agente. Stage Manager. Publisher... e fotógrafo. Eu era o fotógrafo.
Para além de educar o público pela raiz, esse desafio esmiuçado em tantas reuniões culturais. Para lá de voltar a dar trabalho a um sector tão afectado pelas circunstâncias pandémicas que passámos ou passamos. Extra fomentar o prazer de pertencer a uma banda, ou à cultura, e alimentar a esperança que no futuro sejamos mais. De elucidar sobre todos os meandros e particularidades do meio. De ser inventivo, diferente e potenciador de coisas boas. Este projecto teve o condão de providenciar acesso, a miúdos que de outro modo não conseguiriam, à alegria de ver um concerto. De dançar, de cantarolar e saltar ao som de vários acordes e ritmos, na sua própria escola. Ricos e pobres. Altos e baixos. Brancos e pretos. De óculos e visão telescópica. "Caríiiiiissimos", é assim que se faz, aplausos para vocês, se faz favor!
Para mim, ver o Afonso com uma ginga que desconhecia a cantar no meio de adolescentes maravilhados na escola em que o vi começar nas lides musicais foi de amar a vida. Ter todo um recreio cheio de miúdos a dançar ao som da batida do Pisco na sua escola primária foi uma malha do Cabrita. E ainda agora me abano com a entrada sónica dos Nice Weather For Ducks na secundária onde andaram. E respiro sereno ao lado dos miúdos da pré com o som doce da Labaq. Porque as memórias reforçam as experiências que mudam o sentido do caminho. E acredito mesmo que para além de trabalho a música pode dar salvação. Se calhar ainda há chance para nós, para isto correr melhor.
Às vezes, para além de uma aldeia, é preciso uma banda para educar uma criança e é preciso que essa banda persista, cresça e seja aplaudida, para que vá ter com a criança onde ela está, se necessário. Ao bairro, a casa, à escola. Porque eu ouvi o som das crianças no recreio, e tirando os gringos de capacete no cotovelo, garanto-vos, não há coisa melhor. Por isso vai daqui aquele assobio de quatro dedos enfiados na boca e o grito que se impõe: Mais uma! Mais uma! Mais uma!
- Ui! O que é isto? Serás tu cheiro fresco a lavanda?!