Opinião
Alterar o quê?
Creio que é preciso, definitivamente, perceber que há que mudar a lei eleitoral. E não é preciso mudar nada na Constituição
Meu Caro Zé
O terramoto político ocorrido em Portugal levantou logo o fantasma da revisão da Constituição. Será esse o problema mais candente que aflige a sociedade portuguesa? Será que a Constituição impede ou dificulta a solução desses problemas? E, se assim fosse, tendo em atenção a incerteza e a turbulência política e social no mundo, será a altura adequada para o fazer?
Curiosamente, o nº 2 do Art. 10º da Constituição, estabelece que “os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular…”, sendo que o Artigo 15º lhes confere exclusividade na apresentação de candidaturas à Assembleia da República. Essa exclusividade impõe responsabilidade dos partidos na escolha dos seus candidatos e, por parte do povo, o direito a um escrutínio do mérito e do comportamento desses candidatos.
Já nas conversas anteriores mostrei que esse escrutínio não existe, e é muito interessante notar uma crítica do facto de um dos partidos não ter divulgado a lista dos seus deputados. Afinal isso sempre é relevante? Mas a “cereja em cima do bolo” vem em notícia do Público em que se refere “Eleito pelo povo, Fernando Araújo não será deputado – Ex-diretor executivo do SNS era a aposta socialista para Ministro da Saúde…”.
O quê? Já não chegava transformar a eleição para a Assembleia em eleição para primeiro-ministro! Pelos vistos agora também é já para ministro. E o Sr. Doutor Fernando Araújo, cabeça de lista do PS pelo Porto, eleito pelo povo, já não quer ser deputado. Então por que concorreu? Atenção, não cometeu nenhuma ilegalidade! É que o nº2 do Artigo 160º diz que o deputado eleito pode renunciar mediante declaração escrita. Nada mais fácil! Não há problemas. É substituído por outro da lista que não seria eleito. Tudo bem!
Creio que é preciso, definitivamente, perceber que há que mudar a lei eleitoral. E não é preciso mudar nada na Constituição. O Artigo 148º diz que o número de deputados é, no mínimo, 180 e, no máximo, 230. A discussão sobre a diminuição está resolvida e o 149º diz que a lei pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais, e até refere complementaridades e círculo nacional.
É certo que a Constituição dá o exclusivo aos partidos, mas estes podem candidatar independentes! Há bastante por onde escolher para alterar a situação. E uma pergunta final: É legítimo concorrer, ter a escolha do povo e renunciar a seguir, sem forte ou inesperado motivo justificado?
Até sempre
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990