Opinião
Democracia representativa?
França e Reino Unido dão informações empíricas interessantes para nova reflexão centrada na prática recente
Meu Caro Zé,
Há dias o Papa Francisco fez um discurso em que debateu a democracia, considerando que “a indiferença é o cancro da democracia”.Creio que este diagnóstico identifica bem o que se passa nos países com democracias representativas.
Perante os resultados das eleições francesas e do Reino Unido, ambas com círculos uninominais, sem esquecer a ligação de cada nome a um partido específico ou a uma coligação, uma realizada em duas voltas e outra apenas numa só eleição, dei comigo a pensar, consistentemente com o que há muito sinto, se não estará também no modo como se elegem os deputados e o papel do Parlamento no contexto global da decisão política não terão também peso na indiferença dos cidadãos.
Repare-se que, em França, perante perigos sentidos pelos cidadãos, a indiferença relativamente ao voto foi ultrapassada, mas a confusão dos resultados está longe de ser superada.
Creio, por isso, que é mister que a Ciência Política investigue a fundo, em defesa de uma democracia verdadeiramente representativa, a governação do sistema eleitoral, desde o acesso à candidatura até à repartição dos votos na determinação dos eleitos, sem esquecer a natureza constitucional do País em causa, não confundindo estados federais com estados unitários, nem monarquias com repúblicas.
França e Reino Unido dão informações empíricas interessantes para nova reflexão centrada na prática recente.
No Reino Unido o vencedor em cada círculo uninominal, nem que seja por um voto, é o eleito para o parlamento. Assim, o Partido Trabalhista com 33,8% dos votos tem 63,4% dos parlamentares, enquanto os Conservadores com 23,7% dos votos têm 18,6% e os Reformistas com 14,35 apenas 0,7%. É a lógica “o segundo é o primeiro dos últimos”.
Em Franca, o vencedor também é eleito na primeira volta, mas só se tiver a maioria absoluta, o que sucede em poucos círculos. A maioria resolve-se na segunda volta, através de acordos e desistências. O resultado é que com 33% de votos na primeira volta o Rassemblement Nacional tem 24,8% dos deputados e a Frente Unida de Esquerda com cerca de 29% na primeira volta tem 31,5% dos deputados, com o conjunto de partidos afetos a Macron a passar de cerca de 21% para 29,1% dos deputados.
Ainda por cima, há o poder do Presidente da República de França que não tem comparação com o Rei do Reino Unido.
Que dizer de Portugal, dado o quase monopólio dos partidos e a irresponsabilidades dos eleitos perante o cidadão que vota?
Até sempre,
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990