Opinião

Um novo sistema “democrático”?

26 jan 2024 11:32

Venho, agora, olhar para a perversão democrática potencialmente agravada pelo modo como se estão a encarar as novas eleições

Meu Caro Zé, 
Na sequência da minha última “carta” em que referia a “bagunça” do sistema eleitoral, venho, agora, olhar para a perversão democrática potencialmente agravada pelo modo como se estão a encarar as novas eleições e não só em Portugal, com a consequente degradação da democracia (dita) representativa.

Os regimes democráticos têm diversidades, desde a presidencial ao parlamentar, passando pelo semipresidencial, este com cambiantes como, por exemplo, tem sido evidenciado pela evolução da Constituição Portuguesa. Agora parece-me que está inventada uma nova variedade, a que chamarei “Primo ministerial”.

De facto, o que se discute é quem vai ser “primeiro-ministro” e puxa-se a decisão de voto para essa escolha. Mas as eleições não são para eleger um parlamento e, portanto, os deputados, devendo estes ser os escolhidos (escrutináveis no modo como usam a representação) e não candidatos que estão em jogo num só círculo?

Se assim é, não se põe em discussão o mérito dos deputados que integram as listas, em cada círculo eleitoral, dando-se prioridade, para não dizer quase exclusividade, ao que dizem, fazem, dirão, farão, mentirão, não mentirão, duas ou três pessoas? O que procuramos com as eleições? Ganhar eleições ou servir o “bem comum”, com defesa prioritária dos mais fracos? 

Num artigo recente (19-01-2024), no Financial Times, no âmbito do tema “populismo”, JanWerner Müller, professor de política na Princeton University, escreve um artigo sob o título (tradução minha) “Líderes carismáticos em conjunto com partidos esvaziados são uma má receita para a democracia”, acrescentando “novos movimentos políticos nos países ocidentais frequentemente traem a promessa de participação, caindo sob o feitiço individual”.

Independentemente de pôr em dúvida que o conceito de “carismático” se aplique a qualquer um dos líderes partidários, há um que melhor corresponde à descrição de Jan-Werner Müller e que também quer ser primeiro-ministro, intuindo a lógica que parece subjazer à campanha eleitoral. E isso corresponde à completa desagregação da relação representatividade-responsabilidade que deve existir entre cada deputado e quem o elege.

E o que mais me aflige é que cidadãos com grande credibilidade parece que, em nome do partido, se esqueceram disto. Posso estar enganado, mas sei que não admito que me representem sem eu ser ouvido. Sem mim, sem cada cidadão, não! Comigo, connosco, sim. 

Até sempre,