Opinião
Ucrânia: guerra e paz
Quaisquer que sejam as condições para a negociação da paz, elas não podem pôr em pé de igualdade o agressor e o agredido
Meu Caro Zé,
Já conheces bem o eufemismo “operação militar especial” que redundou numa guerra que já dura há mais de ano e meio e cujo fim não está à vista, embora cada vez mais se fale na necessidade de paz, mas sem cuidar de considerar as condições para tal.
E sem esquecer, não se pode ser ingénuo, os interesses, mais claros ou obscuros, que estão por detrás da continuidade da guerra, o surgimento de posições sucessivamente mais equívocas sobre motivações e responsabilidades (basta atender à posição expressa por Václav Klaus, que não deve ser confundido com o notável Václav Havel, nas Conferências do Estoril) impõe ser primordial relembrar como a “guerra” começou.
Em termos de direito internacional estão em causa dois países com direitos reconhecidos na Organização das Nações Unidas, pelo que o início tem de ser classificado como uma invasão da Federação Russa à Ucrânia, com clara violação dos direitos deste país.
Estes direitos não foram respeitados e, por isso, quaisquer que sejam as condições para a negociação da paz, elas não podem pôr em pé de igualdade o agressor e o agredido. E isto parece-me que está a ser cada vez mais esquecido.
Este princípio, que recuso ser discutível, está contudo, em termos de aplicação prática, algo “enevoado” pela situação criada com a anexação da Crimeia, em 2014, perante o “assobiar para o lado” de todo o mundo, com responsabilidades especiais para os Estados Unidos e o Reino Unido (nada tem a ver com a NATO como organização). Com efeito, em dezembro de 1994 foi assinado por esses dois países em conjunto com a Federação Russa (as outras duas potências nucleares, China e França ficaram-se pelas garantias individuais um pouco mais fracas, em documentos separados) em que Bielorrússia, Cazaquistão e Ucrânia se comprometiam a entregar à Federação Russa os arsenais nucleares neles existentes.
Em contrapartida as três potências comprometiam-se a respeitar a independência e a soberania desses três estados, nas fronteiras existentes à data da assinatura, para além de lhes ser assegurada a assistência a esses países em caso de agressão exterior.
Parece inequívoco que a Federação Russa passou de putativo “defensor” a agressor e os outros (Estado Unidos e Reino Unido)… calaram, logo em 2014.
Esquecer isto na preparação de qualquer acordo de paz é absolutamente inaceitável.
Até sempre,