Opinião
"American Utopia" é uma metáfora para a mudança
Para quem não é fã ou nunca ouviu falar de David Byrne, a história poderá ser um pouco menos simples, mas não mais desinteressante
Para os fãs de Talking Heads e, especificamente, de David Byrne, o filme-concerto "American Utopia" não deverá ser uma novidade, nem tão pouco deverá oferecer dúvidas (esperamos nós) quanto à obrigatoriedade de o terem de ver no grande ecrã.
Para quem não é fã ou nunca ouviu falar de David Byrne, a história poderá ser um pouco menos simples, mas não mais desinteressante.
Após o lançamento do seu álbum "American Utopia", em 2018, David Byrne fez o que já havia feito em 1984 com "Stop Making Sense" (filme-concerto que entrou para a história do género).
O álbum serviu de trampolim para o palco, mas num registo diferente do que se esperaria de uma banda de música, com uma série de espetáculos lotados na Broadway e aclamados pela crítica.
Com o sucesso de “American Utopia”, Byrne entrou numa parceria com o realizador Spike Lee de modo a transportar o espetáculo para a TV e para o cinema.
Não fica claro se a presença de Lee, só por si, influenciou politicamente o espetáculo, ou se este simplesmente aproveitou o pacote e lhe deu um verniz de efeito meramente cosmético, mas "American Utopia" é claramente uma posição contra o racismo, algo que fica bem patente nas interações de Byrne com a plateia, bem como a homenagem a várias personalidades negras mortas pelas forças policiais dos EUA e até do Brasil.
Mas o espetáculo, embora efusivo, teatralmente exuberante e longe de ser algo pesado e taciturno, vai um pouco mais fundo e aborda de forma mais subtil as razões desse racismo, que mais não é que um distanciamento entre o outro, provocado pela ausência ou escassez de ligações humanas.
Mais do que um retorno nostálgico aos hits dos Talking Heads ou a visualização de um espetáculo pouco comum, "American Utopia" é uma metáfora para a mudança que o próprio Byrne reconhece ter de acontecer em cada um de nós.
A metáfora para essas ligações que reduzem o preconceito e o racismo está presente em todo o espetáculo, desde a primeira música onde Byrne aparece sozinho com um cérebro na mão, à multiculturalidade da banda e à ausência de fios e cabos em palco, que lhes permite um movimento livre e simultaneamente sincronizado.
Trata-se de um espetáculo invulgar a abrir a 10.ª edição do hádoc e que não deixará ninguém indiferente, seja para os fãs mais empedernidos de David Byrne, seja para quem nunca sequer ouviu tal nome.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990