Opinião

António Lobo Antunes na Pléiade

22 out 2018 00:00

Dói-me sempre ver as obras de António Lobo Antunes à venda nas grandes superfícies, por vezes primeiras edições, com descontos de 40 e de 50%, junto com os livros ditos cor-de-rosa, ou de culinária, ou daquilo a que se chama livros de “autoajuda'.

Dói-me saber que responsáveis pelas grandes livrarias do tipo franchising afirmam que os livros daquele que é, na minha opinião, o melhor escritor português vivo, não são procurados pelo público; nem mesmo os livros de crónicas que os leitores preferem ler nas revistas em que habitualmente são publicadas.

Na minha modesta opinião, parece-me que tanto Lobo Antunes como tantos outros excelentes escritores da nossa Literatura contemporânea, nomeadamente da 2.ª metade do século XX, não se vendem porque há um manifesto desinvestimento neles por parte das editoras bem como da dos livreiros.

Se procuramos um Aquilino, um Namora, um Cardoso Pires, temos de nos dirigir até lá bem ao fundo das livrarias onde se reservam as estantes para a Literatura nacional; pior ainda se procuramos um Camilo Pessanha, um José Gomes Ferreira, um Sebastião da Gama, um Carlos de Oliveira – poesia.

O último romance de Lobo Antunes que li foi Para aquela que está sentada no escuro à minha espera e só vos digo que é um belo pedaço de literatura! Um emaranhado de memórias, de pedaços de vida de uma quantidade de personagens transmitido pelo pensamento silencioso de uma narradora que sofre da doença de Alzheimer e que não fala mas observa e recorda.

De dentro da sua mente enevoada saltam e enovelam-se os episódios que nos dão a conhecer os trajetos de vida das personagens que com ela se cruzaram perfazendo-se assim a narrativa sem nunca se perder o fio à meada, sem alguma vez haver qualquer ponta solta.

Um espanto de corrente de pensamento que não nos deixa interromper a leitura e que, embora algo deprimente, termina num imenso e reconfortante jorro de luz. E depois a beleza simples mas perfeita das metáforas que o autor de As Naus lança na escrita sem que com elas estejamos a contar.

Passados alguns dias de ter terminado a leitura daquele livro prodigioso, exultei com a notícia de que Lobo Antunes vai ter a sua obra editada pela Biblioteca Pléiade incluída na coleção que, desde 1931, reúne a obra de uma selecionada lista de grandes autores mundiais.

Trata-se, com efeito, de um reconhecimento de grande estatura – ao nível da estatura do próprio escritor. Mais se projeta e impõe quando sabemos que o único autor português que até hoje teve a sua obra publicada por aquela Biblioteca de referência foi o poeta Fernando Pessoa, em 2001.

Atrevo-me a concluir, citando Claudio Magris, um dos pensadores e ensaístas mais conhecedor do mundo contemporâneo, que chamou a Lobo Antunes “um dos mais prodigiosos e fascinantes mestres”, “um Minotauro” da literatura.

*professora

(Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990)