Opinião

Audição

19 nov 2022 16:11

É das árvores que vem a matéria, orgânica mas perecida, que faz a sola da floresta

Eram as tardes, de silêncio e quietude, que apuravam a vista para as coisas interiores. Um ouvido perscrutante dos passos anunciadores de movimentos na floresta - no meio das árvores plantadas eram os passos passando pela flora rasteira e espontânea a trazer o murmúrio dos sentidos.

Sem que houvesse apenas um a impor a realidade dessa experiência. A sinestesia estava na presença do corpo no lugar e, ao invés de aproximar a percepção em nós, expandia-o pelas extremidades dos órgãos sensoriais para o ambiente em redor. Ouvi o cheiro do carquejar dos ramos a serem partidos pelos passos, um gosto imiscuído numa visão completa. Assim, estar ali era uma simbiose entre o ser e o estar.

O Outono lembra-nos as árvores nos passeios cobertos de folhas. O acumular do tempo que passou ao longo do ano e se repete a cada ciclo, ora com mais ou menos folhas, mais amarelas ou castanhas, amarelas e até verdes. Relembra-nos o esqueleto das coisas, das árvores e do tiritar dos ossos com o misto de frio e humidade a entranhar que caminha até ao Inverno.

Uma estação de passagem, que se ouve pelo cheiro a castanha e o toque das camisolas e cachecóis de lã a serem desempoeirados de uma existência invisível. Nesta altura vagueio domingueiramente os olhos pelas beiras das florestas nas estradas que percorro. De folha permanente, procuro as diferenças no chão, um conjunto de húmus, folhagens e vegetação que são a pele da terra nestes lugares a que só lhes dá o nome as árvores que os habitam.

Um pinhal também é feito de chão. De caruma e de camarinheiras, de troncos caídos de tempestades e remanescentes da silvicultura. Importa perceber o chão que pisamos, e perceber que essa pele, essa crosta, essa camada é o que nos une à terra.

É das árvores que vem a matéria, orgânica mas perecida, que faz a sola da floresta. É importante ter silêncio para ouvir as folhas caírem e aterrarem no chão.