Opinião

Balada do chocolate em pó

17 mar 2024 10:16

Na mercearia da pequena cidade começavam então a aparecer latas com chocolate solúvel para adicionar ao leite

Uma metade do recreio da escola primária dividia-se pelo sabor a chocolate. O café era, até então, a única mistura que transformava o sabor do leite, que na altura ainda não conhecia embalagens tetra pack. Mas a cafeína já então estava reservada aos adultos.

Na pequena pasta da escola, o lanche da manhã, quando existia, resumia-se a uma carcaça com manteiga ou margarina e a um copo de leite simples, quando a família tinha rendimentos para comprar o novo modelo da Tupperware, que naquele ano lançara um copo cujas tampas vedavam bem.

Na mercearia da pequena cidade começavam então a aparecer latas com chocolate solúvel para adicionar ao leite. As qualidades nutritivas da substância eram enaltecidas no canal público de televisão e nas páginas da “Crónica Feminina” que aparecia pelos quiosques.

Uma parte do duelo no recreio fazia-se entre os que conheciam o sabor do chocolate Coqui e os que tinham em casa frascos de vidro da marca Toddy, mais barato e infinitamente menos saboroso.

Nas festas de anos dos amigos com latas de Coqui em casa, o sabor imaginado tornava-se finalmente realidade. Depois disso, beber leite do dia simples nunca mais seria a mesma coisa. Uma vez por ano, um frasco de Toddy chegava a casa em jeito de presente de Natal. Um sabor a meio não comparável ao do chocolate Coqui que era apenas conhecido por uma parte das crianças do recreio.

A lata onde a mãe protegia a farinha do gorgulho, de cor amarela e vermelha, tinha, no entanto, estampada a palavra do chocolate em pó idealizado e estava então em grande destaque na cozinha junto ao fervedor do leite do dia em saco, que na altura ainda não conhecia embalagens Tetra Pack.

Na escola, um outro combate decorria. Conhecia-se o significado da palavra jejum e o professor combatia diariamente a realidade calada das “sopas de cavalo cansado”.