Opinião
Bolhas, príncipes e a plebe
Os príncipes, aliás, têm a reputação de ter as suas próprias preocupações e prioridades, que muitas vezes não coincidem com as da maioria da população.
É comum usar a expressão “viver numa bolha” para referir uma existência protegida de influências exteriores. Atualmente muito em voga, depois do pedido que foi repetido durante a pandemia de mantermos intacta a nossa bolha de proteção.
É, também, uma expressão frequentemente utilizada referindo-se à proteção que deve ser dada a crianças, para lhes permitir uma infância saudável e feliz.
Contudo, “viver numa bolha” tem o reverso da medalha. Ao estar protegido de influências exteriores, os habitantes de cada bolha tendem a perder a noção da restante realidade.
As suas impressões e convicções tendem a reforçar-se, porque os integrantes de cada bolha são – regra geral – bastante semelhantes.
Pense-se, aliás, no que acontece com os algoritmos das redes sociais, que nos mostra apenas opiniões semelhantes às que já temos.
Este efeito de auto-reforço da nossa opinião faz-nos crer que algo é absolutamente generalizado – e eventualmente esmagador – quando na verdade é desconhecido para a esmagadora maioria da população.
Apesar de ser um fenómeno mais comum na sociedade digital atual – amplificado pelas redes sociais e pelo aumento de consumo de conteúdos personalizados, ao invés de conteúdos partilhados pela generalidade da sociedade – sempre existiram bolhas.
Desde os soberanos da Antiguidade que desconheciam a condição da população até à ignominiosa coleção de sapatos de Imelda Marcos, passando pela nobreza medieval, encerrada na sua corte e sem contacto com o Povo. Mesmo nos tempos do Renascimento e do Iluminismo não faltam exemplos de bolhas isoladas, como Luís XIV ou os príncipes de Florença.
Os príncipes, aliás, têm a reputação de ter as suas próprias preocupações e prioridades, que muitas vezes não coincidem com as da maioria da população. Os seus comportamentos ficaram, aliás, eternizados na obra “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel no século XVI.
Nesse livro ficou registada a expressão “os fins justificam os meios”, que marca a política até hoje. E os príncipes contemporâneos, enfiados na sua bolha, preocupam-se sobretudo com os seus fins, independentemente dos meios que tenham que ser usados. E a plebe? Qual é o papel da plebe?
Bom, a plebe contemporânea assiste aos atos dos príncipes (que buscam os seus próprios fins!) com indolência, estupefação e incompreensão, habitualmente. Sem compreender as ações dos príncipes – embora lhe identifiquem o taticismo indecoroso de quem está a tratar da sua vidinha dentro da sua bolha – a plebe aguarda serenamente que acabem os jogos.
Normalmente, findos os eventos que excitam e animam os príncipes na sua bolha, regressa a calma e a tranquilidade: afinal, é preciso tempo para que os príncipes e os seus companheiros de bolha se congratulem onanisticamente pelo brilhantismo do seu taticismo.
Nota: esta reflexão poderá estar ou não relacionada com uma aparente birra generalizada que levou à não aprovação do Orçamento de Estado para 2021, bem como de uma ida ao multibanco com direito a cobertura televisiva em direto.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990