Opinião

Casa roubada, porta aberta

23 mai 2019 00:00

Olhando para as imagens da praia de Água de Madeiros após a derrocada, facilmente se consegue imaginar o que poderia ter acontecido se esta tivesse ocorrido dentro de dois ou três meses, quando aquele areal recebe centenas de pessoas.

Ao que parece, o provérbio “casa roubada, trancas à porta” está a necessitar de uma actualização, pois não caracteriza com rigor o nosso povo e ainda menos quem nos governa, tantas são as vezes que descuramos os avisos deixados pelo passado.

Os exemplos poderiam ser variados, mas vem agora a propósito do desmoronamento de arribas na nossa costa, nomeadamente na praia de Água de Madeiros, onde apenas por um acaso não se repetiu a tragédia que há alguns anos ceifou cinco vidas na praia Maria Luísa, no Algarve.

De pouco parece ter servido o roubo dessas vidas, pois as trancas, que é como quem diz, as intervenções em muitas das zonas de risco continuam por fazer, apesar dos alertas de autarcas, veraneantes e comerciantes locais.

Pior, muitos desses locais que esperam há anos por intervenção, não estão sequer identificados ou vedados, deixando à capacidade de análise geológica de cada um, que se imagina qual seja, a decisão de maior ou menor cautela.

Noutros casos, são os próprios veraneantes que, apesar dos avisos, arriscam na velha máxima de que os acidentes só acontecem aos outros, desafiando de forma aparentemente ostensiva a lei das probabilidades.

Olhando para as imagens da praia de Água de Madeiros após a derrocada, facilmente se consegue imaginar o que poderia ter acontecido se esta tivesse ocorrido dentro de dois ou três meses, quando aquele areal recebe centenas de pessoas.

Tal como é possível antecipar que mais derrocadas se preparam para acontecer noutros locais, alguns dos quais com casas encavalitadas em cima das arribas, fruto de anos e anos de anarquia urbanística em completo desrespeito pela natureza.

Desta vez, felizmente, nada de grave aconteceu, mas se a inércia da Agência Portuguesa do Ambiente perdurar e se não houver coragem política para avançar com algumas demolições, correm-se sérios riscos de ter uma das praias da nossa região a abrir os telejornais pelas piores razões.

Nessa altura, como habitualmente, surgirão discursos muito sentidos de condolências e promessas de averiguação de responsabilidades, com a água a ser sacudida de capote para capote, e dedos em riste a apontar em todas as direcções à procura de culpados.

Esperemos que esse dia não chegue, mas a verdade é que o tempo vai dando força à probabilidade.