Opinião
Choremos, não nos resta outra coisa...
Choramos hoje Paris. Como amanhã choraremos uma outra das nossas cidades que amamos. Choremos os mortos. Choremos os feridos e espoliados. Choremos as famílias desfeitas. Choremos a hipocrisia…
Na passada sexta-feira, à entrada de um fimde- semana que será recordado como um dos mais trágicos das últimas décadas, enquanto uma parte do mundo adormecia em sobressalto, outra voltava a acordar para a violência e o terror de gente que, de gente, não tem nada. Mascarado de fanatismo islâmico, o terrorismo voltou a entrar-nos violentamente pela porta dentro, arrombando-nos a casa, destroçando-nos a intimidade e estilhaçando-nos até as entranhas. Numa sexta-feira feira à noite, depois de uma semana de trabalho, com um fim-de-semana pela frente, numa cidade que chamam do amor, onde tudo pode acontecer…
Fim-de-semana, restaurantes, bares, uma sala de espectáculos, um concerto, um estádio de futebol, um jogo de futebol… Bem ou mal, pouco interessa, é o nosso modo de vida. É a forma como vivemos. Como gostamos de viver, e como temos o direito de poder viver. Livres, sem medo…
É do medo que vivem, é no medo que assentam toda as estruturas de terror que os mantém activos. Por isso não lhes basta matar, às dezenas, às centenas, aos milhares. Mais que violar e matar inocentes eles querem matar-nos a todos, matando a maneira como vivemos.
E lembrarmo-nos como tudo isto começou.
Lembrarmo-nos como há quase quarenta anos os Estado Unidos armaram os talibãs, porque do outro lado estavam os soviéticos. Lembrarmo-nos como, atraídos pelo cheiro do petróleo, Bush e Blair, com Asnar e Durão Barroso como acólitos, destruíram um Estado – uma ditadura, sim, uma ditadura como todas as outras da região – e o entregaram, em mão, a estes bandos de terroristas, nascidos no Afeganistão e criados pela ditadura saudita. Essa boa, porque amiga. Lembrarmo-nos como há apenas três anos, os mesmos, sempre os mesmos, como se não tivessem memória, armaram mais e mais terroristas para destruir a Líbia e executar barbaramente Kadhafi. Pouco antes, um amigo, como já fora Sadam… E, como se tudo isto não bastasse, lembrarmo-nos de Assad, na Síria, hoje pátria do terrorismo internacional e sede do poder do auto denominado Estado Islâmico, o mais sanguinário e bárbaro eixo do fundamentalismo islâmico que a monarquia saudita, incólume na sua redoma de petróleo, financia e alimenta ao longo das últimas décadas.
Choramos hoje Paris. Como amanhã choraremos uma outra das nossas cidades que amamos. Choremos os mortos. Choremos os feridos e espoliados. Choremos as famílias desfeitas. Choremos a hipocrisia…
Directora da Escola Superior de Saúde de Leiria