Opinião

Cidadãos auto-mobilizados

26 out 2017 00:00

Não são cordões humanos convocados pelo Facebook que vão deixar tudo bem.

1. Por estes dias, Marcelo Rebelo de Sousa é o mais poderoso director, chefe de redacção e editor da imprensa portuguesa. O Presidente da República, que já trabalhou em jornais e se tornou popular a comentar nas televisões, volta a marcar a agenda política e mediática para mostrar um País que Lisboa não conhece, que a cidade não conhece, que gabinetes inteiros não conhecem, mas que existe e ocupa a maior parte do território, assim que nos afastamos do bairro trendy, do sushi para turistas em tuk tuk, do sunset com lima e gengibre.

Por cada abraço do Presidente que os fotógrafos captam nas aldeias assombradas pelo fogo, mais do que a banalização das emoções, que também acontece, mas é inevitável, dá-se um choque com a realidade que nos revela uma democracia em que há pessoas a ficar para trás.

Um País onde os ministros não conseguem proteger os contribuintes, onde as chamas invadem zonas habitadas como um animal selvagem a quem abriram a jaula, onde a resposta ao caos é o deixa arder e protege as pessoas, um País que não forma nem informa a população, um País onde quatro meses depois das mortes de Pedrógão Grande, ninguém, em Vieira de Leiria, nos Moinhos de Carvide, no Coimbrão, às portas da Marinha Grande, com evacuações umas a seguir às outras, ao ponto de a base Nato de Monte Real ser declarada terreno não seguro, nessa noite terrível, na noite de 15 para 16 de Outubro, ninguém com autoridade investida pelo Estado se preocupava em responder a uma pergunta básica: é mais seguro andar na estrada ou ficar em casa?

2. Não são cordões humanos convocados pelo Facebook que vão deixar tudo bem, não é um carvalho autóctone comprado nos viveiros da esquina que ajuda a reflorestar a jóia da coroa das matas nacionais, o Pinhal de Leiria, não são iniciativas individuais e avulsas, mais ou menos digitais, mais ou menos ancoradas na bandeira das alterações climáticas, que encerram a resposta completa.

Mas há, de facto, uma espécie de solidariedade 2.0, uma corrente de cidadania e fraternidade alimentada pelas novas tecnologias, um acto de reacção e mobilização que aproveita o melhor das redes sociais na web para estar onde o Governo, o sistema, o aparelho burocrático e os canais oficiais não conseguem estar, por diferentes motivos.

São os desconhecidos que se encontram online para combinar esforços nas áreas ardidas, é o exército de voluntários que faz avançar, em Vieira de Leiria, a primeira resposta às famílias vítimas do incêndio de 15 de Outubro. São cidadãos automobilizados.

3. Deixa-nos perplexos. Mas, tal como nas nossas vidas a experiência individual nos leva ao ponto seguinte, com novos conhecimentos e emoções, há muito a retirar da experiência colectiva que está a ser o ano de 2017 em Portugal. Mais do que encontrar culpados, importa aprender.

Todos, incluindo os que nos governam e querem governar. Para que o dia de amanhã não seja uma repetição. E porque a democracia é mais do que um voto entregue de quatro em quatro anos. Para já, a fotografia só admite uma legenda: um povo que lidera, um governo que reage.

*Jornalista