Opinião

Cinema e TV | Isto é uma coisa a ver: Causa Própria

12 fev 2023 11:40

A maior questão que Causa Própria nos coloca é a de saber como podemos ser eticamente corretos, emocionalmente neutros e legalmente cegos quando investigamos ou julgamos aqueles que amamos

Causa Própria é uma série criada por Edgar Medina e Rui Cardoso Martins e realizada por João Nuno Pinto, que estreou na RTP em janeiro de 2022 e se encontra disponível na RTP Play e na HBO.

Rodada em Caldas da Rainha, Foz do Arelho e Sintra, a série conta com um elenco de luxo: Nuno Lopes, Margarida Vila-Nova, Ivo Canelas, Catarina Wallenstein (a lembrar Lisbeth Salander), Maria Rueff e Ivo Arroja, entre outros.

Os sete episódios que constituem a série centram-se na investigação do homicídio violento de um jovem estudante homossexual, encontrado morto num parque de uma pequena cidade, e no julgamento dos presumíveis assassinos. Mas existem linhas narrativas paralelas em Causa Própria, sendo a mais interessante os casos que constituem o quotidiano do tribunal, inspirados nas crónicas Levante-se o Réu, de Rui Cardoso Martins. São julgamentos de uma diversidade de pequenos crimes e delitos mais ou menos graves, que transformam o espetador em advogado e juiz, obrigando-o a fazer uma reflexão sobre o que é eticamente aceitável que culmina num julgamento moral, não apenas sobre a atuação dos réus, mas também da de testemunhas, advogados e juízes.

A Juíza Ana (Margarida Vila-Nova) é a grande protagonista, quer dos casos que passam pelo tribunal, quer do julgamento do homicídio que abala a pacata comunidade e traz à superfície questões de preconceito e bullying, revelando também os vícios (mais ou menos) privados e os segredos daqueles que acabam por se ver envolvidos no processo. Acompanhando a sua vida familiar e amorosa, o espetador vai-se envolvendo nos seus dramas e dilemas, partilhando a angústia das várias decisões que toma e julgamentos que faz.

Sendo uma série sobre justiça, bem e mal são questões nucleares. O mal aparece sob várias formas e em diversos graus. Um dos episódios, intitulado Ad Bestias, sugere que a maldade maior está nas bestas, naqueles que, de forma gratuita, infligem sofrimento, apenas porque podem fazê-lo. Mas a série mostra também que esta pode exerce-se de forma menos óbvia, mais subtil, mas mais cruel. O episódio 6 deixa no ar a dúvida sobre a afirmação que lhe dá título: Bonis Nocet Si Quis Malis Pepercerit (faz mal aos bons quem poupa os maus). Deverá o mal ser desculpado?

No entanto, a maior questão que Causa Própria nos coloca é a de saber como podemos ser eticamente corretos, emocionalmente neutros e legalmente cegos quando investigamos ou julgamos aqueles que amamos. Seríamos capazes de ignorar os nossos princípios éticos para salvar uma pessoa de quem gostamos? Ou, pelo contrário, conseguiríamos ignorar a vontade de proteger os que são nossos para aplicar a justiça? Qualquer que fosse a escolha, o verdadeiro drama que a série deixa antever é: como é que se consegue viver depois de tomar qualquer uma das decisões?

Além dos temas, da estrutura narrativa, do elenco e da representação, Causa Própria tem todos os ingredientes para concorrer com as grandes séries internacionais, da fotografia à banda sonora de Justin Melland que, não poucas vezes, nos transporta até Twin Peaks.