Opinião

Cinema e TV | Isto é uma coisa a ver - Furiosa: Uma Saga Mad Max

8 set 2024 18:00

O que torna estes filmes um objeto de análise interessante é que a sua atração reside na fisicalidade

Furiosa: Uma Saga Mad Max é um filme realizado por George Miller, o homem responsável pelos cinco filmes da saga Mad Max, iniciada em 1979, o mesmo ano em que começa a já longa história da série Alien, que em 2024 teve também a estreia de um novo filme. Tal como Alien, o primeiro filme Mad Max acaba por ser um sucesso inesperado.

Mad Max: As Motos da Morte apresentava-se apenas um road movie, passado num futuro muito próximo, em que polícias, entre os quais Max (Mel Gibson), combatem um grupo de motoqueiros sociopatas ultraviolentos, a lembrar o gangue do filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, combinando, por isso, ingredientes de filme de terror.

Mad Max 2: O Guerreiro da Estrada, de 1981, assume ser um filme de ficção científica passado num cenário pós-apocalíptico que resulta do esgotamento do petróleo, o que fez ruir toda a sociedade e conduziu a humanidade de volta a uma era pré-industrial, quase medieval, em que a única lei é a do mais forte. Os últimos vestígios de tecnologia são veículos velhos, conduzidos numa busca incessante de combustível para se manterem em movimento.

O argumento é mais elaborado do que o primeiro Mad Max, e o filme envolve a criação visual do herói e do universo estéril, a Wasteland, que será cenários dos filmes seguintes, especialmente dos mais recentes.

Em 1985 é realizado o mais exuberante dos cinco filmes: Max Mad 3: Além da Cúpula do Trovão. Conta com a presença de Tina Turner no papel de Aunt Entity, a dona de Batertown, uma cidade com uma população tão exótica como a que poderíamos encontrar numa qualquer esquina do universo de um filme de ficção científica, com um guarda roupa a combinar uma diversidade de elementos entre os quais punk e S&M, criando uma estética saturada, excessiva, a acentuar a insanidade e o caos visual. Max, por um conjunto de más decisões, acaba por ter de entrar na Thunderdome, uma arena onde a lei é: entram dois homens e apenas pode sair um.

O argumento poderia ficar-se pela intriga na cidade, mas numa nova reviravolta de eventos, Max encontra um grupo de crianças perdidas, o que cria uma nova linha narrativa, difícil de entroncar na primeira, fazendo do filme uma mixórdia de géneros que nem a banda sonora de Tina Turner consegue salvar.

Talvez por isso, foi preciso esperar 30 anos para que Mad Max regressasse aos écrans em Mad Max: Estrada da Fúria. Mel Gibson é substituído por Tom Hardy, e Max cede o protagonismo a Furiosa, uma Charlize Theron poderosa que conduz um camião em fuga com todas as mulheres cativas de Immortan Joe, o líder cruel da cidadela. O filme, muito mais contido do que Mad Max 3, foi um sucesso, ganhou seis óscares em categorias técnicas, e permitiu que Furiosa tivesse direito à sua própria história, que surge 9 anos mais tarde.

Furiosa: Uma saga Mad Max é a prequela de Mad Max: Estrada da Fúria. De toda a saga Mad Max, Furiosa é o primeiro filme sem a presença de Max. Anya Taylor-Joy (a Beth Harmon de Gambito de Dama) assume o papel anteriormente protagonizado por Charlize Theron e o espetador fica a saber que Furiosa assistiu à morte da mãe e foi roubada em criança por um grupo de selvagens liderado por Dementus e posteriormente entregue a Immortan para ser uma das suas mulheres, destino a que conseguiu fugir fingindo-se homem, para depois se vingar e salvar as outras mulheres, ponto em que Estrada da Fúria começa.

O que torna estes filmes um objeto de análise interessante é que a sua atração reside na fisicalidade. No confronto, na violência, no maniqueísmo claro, sem qualquer ambiguidade sobre qual o lado certo da luta, mas também nos grandes planos do rosto, do olhar, do corpo, da rapidez da ação. Charlize Theron e Anya Taylor-Joy foram capazes de criar personagens poderosas quase sem falas, apenas com o olhar e o movimento em cena.

E esse foi um aspeto que Miller soube explorar. Isso e o facto de substituir um homem por uma mulher. Max era roader solitário que se tornava herói apenas quando não o conseguia evitar. Furiosa era socialmente respeitada e arriscou a sua vida para salvar as outras mulheres de um destino que podia ter sido o seu.

Poderia dizer-se que Furiosa é a primeira grande heroína de um road movie, mas isso não seria justo para Thelma & Louise, embora estas não tenham sobrevivido à viagem. De qualquer forma, parte do segredo do sucesso dos dois últimos filmes da saga devem-se a Miller ter percebido que Tina Turner tinha razão: não precisamos de mais um herói. Precisamos é de mais heroínas. Furiosas, preferencialmente.