Opinião

Cinema | O Agente Infiltrado

18 jun 2021 20:00

O humor que inicialmente nos atrai, serve de porta para um drama de ternura e sinceridade

É comum dizer-se que estar presente nos Óscares por si só não é propriamente um elogio, o que, enquanto opinião política, tem a sua legitimidade.

Porém, o que poucos sabem é que para um documentário chegar ao crivo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, tem de ter sido nomeado duas vezes para a principal categoria de competição de uma lista restrita de festivais de cinema internacionais no ano anterior ao certame americano.

“El Agente Topo”, ou “O Agente Infiltrado”, numa tradução livre do filme chileno com que o hádoc encerra a sua 10.ª edição no próximo dia 22, é apenas mais um do já longo rol de documentários premiados nos maiores festivais de cinema do planeta cinematográfico que o hádoc traz a Leiria para o seu fiel público.

E antes de ser anunciada a sua presença entre os finalistas de Hollywood, já o hádoc o havia escolhido, 8 meses antes de o podermos exibir na sala do Miguel Franco, como habitualmente.

A sua escolha para vários festivais não é, portanto, mero acaso. Há algo de estranhamente atrativo no filme de Maite Alberdi, a primeira mulher chilena a ser nomeada aos Óscares, cujo mérito de engendrar um ambiente inicial hollywoodesco no leva rumo a um enredo que, de outra forma, dificilmente atrairia muita gente às salas de cinema. 

A verdade, é que o engodo funciona, já que as cenas iniciais onde aparece Sergio, o protagonista do filme, nos deixam desconfiados quanto à sua autenticidade, para depois nos levarem a um (micro)mundo que todos, em maior ou menor grau, preferimos imaginar que não existe, numa tentativa vã e inútil de o apagar do nosso inevitável caminho.

O humor que inicialmente nos atrai, serve de porta para um drama de uma ternura e de uma sinceridade tais, que rapidamente nos esquecemos do incómodo e nos ligamos ao mundo oculto e estranho que o mundo cá fora prefere olvidar. 

Seguindo as peripécias cómicas de Sergio, o detetive improvisado que tem por missão descobrir alegados maus-tratos num lar de terceira idade, qual Clouseau da era dos óculos com câmara e do Whatsapp, vemo-nos introduzidos no dia-a-dia daqueles que recebem uma atenção e um sorriso genuínos como os últimos raios de sol no ocaso das suas vidas.

Tal como em 2019, em que “América” foi escolhido pelo público como o melhor filme do 8.º hádoc, encerramos a edição deste ano com uma reflexão sobre a condição humana, num registo diferente, mas não menos marcante, tal como o hádoc pretende ser.

Num ano conturbado para todos, foi um grande desafio, mas também uma grande satisfação, para a equipa do hádoc concluir mais uma edição de uma série que queremos manter ininterrupta já no próximo ano. 

Ainda que a vontade nos tempos que correm seja, compreensivelmente, de fugir ao real e preferir a ficção, contem connosco para trazer mais uns laivos de realidade e mais motivos para reflectirmos sobre nós e o mundo.