Opinião
Coisas de Alma
Música e poesia são duas artes da comunicação que vivem do som, da articulação e expressão intuída
Noites quentes, paz no coração. Será um presságio a integrar nesta altura do ano em que a liturgia cristã celebra o Advento, época em que devemos alargar as mãos ao humanismo. Esta é uma quadra de esperanças, renovação de valores e altruísmos. Desprover-nos do que é material e supérfluo será a maior das virtudes, algo concretizável ao longo de todo o ano, não apenas neste período natalício, sob o pressuposto de uma fátua ‘caridade’.
Recorramos, por isso, à poesia e à música como atmosferas que recentram esse estado de integridade e enlevo. O poeta T.S. Eliot afirmou: “…há poemas onde somos levados pela música e não damos valor ao sentido, tal como há poemas onde atendemos ao sentido e somos levados pela música sem dar por isso.”
São fragmentos melódicos que ecoam na composição poética e nos lugares incontornáveis da vida, habitando no interior de cada um, por via da poesia e da música. De um ponto de vista simplista, um poema nunca é verdadeiramente assimilado enquanto composição, sem que nesse processo se incorpore um sentido ou corpo intuído, com uma carga musical, sobretudo quando recitado.
E pode até assumir-se que a voz se apropria do poema com toda a sua conotação melódica, emotiva e significação estética, gerando cenários (s)em palavras, espaços imagéticos ou lugares decorrentes da relação que o leitor/ ouvinte têm com os versos declamados. Contrapondo esta perspectiva, Nietzche afirma na sua obra On Music and Words que “quando um compositor escreve para um poema lírico... ele, enquanto músico, não está interessado nas imagens nem nos sentimentos que o texto possa evocar. Uma relação necessária entre poema e música não faz sentido; apenas se consegue uma relação externa.
Relacionado com a música, o poema é apenas um símbolo, tal como um hieróglifo de coragem o é para um corajoso soldado”. A mensagem pode ser apreendida como uma nova vivência, ou uma reinterpretação, estando o receptor perante um universo de rendição às suas memórias e à imaginação construtiva, face ao binómio ‘poema-composição musical’ que dele imana.
Música e poesia são duas artes da comunicação que vivem do som, da articulação e expressão intuída. Com valor em si mesmas, não necessitam uma da outra para poder subsistir, cruzando caminhos no universo singular da comoção. Proporcionam um diálogo interno insistente, pois é na grandiloquência da música feita poema que surge uma matriz ou contágio, polifonia de vocábulos e sons enredados num só grito. Geram comprometimento e sedimentação de raízes inalteráveis no pensamento, propagação que inebria e acalenta.
Combinar sentidos é, talvez, a função da poesia musicada, congregando o que está contido nos elementos sonoros experimentados pela inebriação. Que neste Natal possamos oferecer, ler e escutar música e poesia, enquanto imateriais ‘coisas de alma’. Substâncias universais e eternas, contendo um indelével substrato litúrgico na sua função e linguagem.
Evoquemos nas noites quentes do Advento, o sentido intemporal e humano desse êxtase emotivo: o apelo da paz e do amor inauditos que ocupam o âmago do coração.