Editorial
Contra o facilitismo, marchar, marchar
Haverá neste momento melhor desígnio de Defesa Nacional do que tudo fazer para prevenir e travar a progressão da pandemia?
Há ironias difíceis de digerir. Senão, vejamos.
Para suplantar a falta de voluntários para o serviço militar, quando este deixou de ser obrigatório, o Estado inventou o Dia da Defesa Nacional.
Um dia em que os jovens, maiores de 18 anos, têm que se apresentar numa base militar, não para fazerem testes, mas para assistirem a palestras e demonstrações.
Diz o manual de apresentação do evento que o objectivo é sensibilizar os participantes para o carácter multidimensional das Forças Armadas, incentivando-os a reconhecer que a “Defesa Nacional é um dever de todos”.
Melhor dito, é uma espécie de operação de marketing para ‘vender’ a ideia de que é possível e atraente uma carreira militar nas Forças Armadas.
Recapitulando, temos um dia em que os jovens portugueses são obrigados a deslocar-se até um quartel próximo da sua área de residência para ouvir falar das nossas valências militares e uma actividade que envolve por sessão mais de uma centena de rapazes e raparigas, mesmo em tempos de pandemia.
Como noticiamos esta semana, num destes últimos encontros, na Base Aérea de Monte Real, no concelho de Leiria, um dos convocados testou positivo à Covid-19 após ter participado na actividade e atirou mais de 130 colegas para o isolamento.
À entrada da unidade, tinham-lhe medido apenas a temperatura e, supostamente, pedido para responder a um pequeno formulário. Nada mais.
Quando os especialistas alertam que é fundamental testar, rastrear e vacinar, parece ser o próprio Estado a assobiar para o lado, perante aqueles que devia educar para a cidadania e a quem tem pedido sacrifícios adicionais.
Ficaria muito caro promover a testagem dos jovens que são obrigados a ir a estas acções de sensibilização para o serviço militar? Pelos vistos, parece que sim.
Curiosamente, em vez de poupança, no caso da Base Aérea de Monte Real, por exemplo, ter-se-ão gerado ainda mais incómodos e gastos: cerca de 130 jovens ficaram isolados preventivamente até à realização de um teste, famílias inteiras ficaram sujeitas a confinamento provisório, trabalhadores foram forçados a ficar em casa … e a fazerem, também eles, um teste.
No mínimo, estamos a falar de quase 400 pessoas afectadas.
Perante esta irónica realidade, impõe-se a pergunta: haverá neste momento melhor desígnio de Defesa Nacional do que tudo fazer para prevenir e travar a progressão da pandemia?
Para alguns decisores da nossa praça, parece que não.