Opinião

Da proximidade

24 mar 2022 15:45

Poucas coisas resultam tão bem para sempre como fazer alguma coisa decente pelos outros

Estar próximo, acompanhar, conhecer, ouvir, é essencial para criar empatia, vínculos, sentido de comunidade.

Daqui decorre que muitas mazelas do nosso tempo se devem, entre muitos outros motivos, à falta de proximidade.

Decide-se fechado num gabinete com escasso contacto com a realidade, educam-se crianças à distância da desatenção, vivem-se famílias sem que muitos saibam como é – verdadeiramente – a jornada diária do outro.

Conhecem as casas de banho das escolas dos vossos filhos? E as cantinas? E o sabor das refeições escolares? A sério?

Saberão os nossos autarcas como é atravessar a cidade a pé num dia de calor, sem sombras? Saberão quantos ciclistas (não) percorrem os troços descontínuos de ciclovias da moda perdidas na cidade?

Saberão que quem vive a cidade e passa no lugar das árvores recentemente cortadas se interroga sobre o que será ali colocado para substituir as abatidas?

Farão ideia os muitos automobilistas que todos os dias estacionam nas paragens do Mobilis, que fazem a triste figura de ignorantes que se acham mais importantes que as muitas crianças e cidadãos que têm de se deslocar para o meio da estrada para subir nos autocarros? Por vezes à chuva?

Saberá toda a gente que não nos importarmos alimenta o erro por toda a eternidade?

Saberão tantos funcionários antipáticos, totalmente desprovidos de capacidades humanas para ocuparem lugares de contacto com o público, que cada ausência de empatia pode custar a vergonha de quem não sabe mover-se pela burocracia.

E que são pagos exactamente para ajudar quem não conhece a burocracia?

Ou que dentro da digitalização insane – pensada lá em Lisboa por jovens informáticos que desconhecem que no país real há analfabetos digitais que são pessoas – se trucidam os velhos, os pouco letrados, os azarados da vida?

Saberá o vereador a quem pedi há três meses que mandasse pintar a passadeira desaparecida perto de minha casa que é uma aventura atravessar a estrada ali?

Que às vezes os carros não conseguem travar a tempo e que as pessoas se sentem ameaçadas no seu trajecto diário?

Quantas vezes olhámos mesmo para os outros, suficientemente próximos para saber que alguns velhos não conseguem ler os algarismos ridiculamente pequenos no cartão do cidadão, ou ser suficientemente rápidos para obedecer às ordens telefónicas do “marque tecla 1”, ou simplesmente preencher um dos milhares de impressos impenetráveis em que a nossa organização pública é useira e vezeira?

Da próxima vez que se cruzar com a oportunidade de fazer alguma coisa pelos outros, aproxime-se.

Poucas coisas resultam tão bem para sempre como fazer alguma coisa decente pelos outros.