Opinião

Desilusões

15 nov 2019 10:43

Curiosamente, outra das minhas desilusões está também ligada às expectativas que nessa época formei sobre os magistrados da Justiça.

Tenho de reconhecer que não sou muito dada a desilusões!

De facto, esse sentimento de insatisfação que surge quando as expectativas sobre algo ou alguém não se concretizam não me tem visitado muitas vezes.

Como gosto de observar os comportamentos humanos e o que se passa à minha volta tenho tendência para, antes de julgar as ações de cada indivíduo, o “estudar” e por isso de encontrar nos respetivos contextos e percursos de vida as justificações para as suas, por vezes, estranhas formas de agir. E com os ambientes passa-se o mesmo.

Quando os visito, ligo todas as pontinhas do que observo e com isso formo uma ideia sobre a capacidade de cada um deles para gerar bem-estar, nada ou insegurança na vida dos seres que o habitam.

Talvez seja por isso que, se por um lado, dificilmente alguém ou alguma coisa me desilude, por outro, quando isso acontece, tal fica marcado em mim para toda a vida.

Como exemplo da primeira situação refiro o voto do deputado Nuno Melo, militante de um partido português que se diz inspirado pela democracia cristã, e que com o seu voto rejeitou uma resolução que “instava Estados-membros da União Europeia a reforçarem as suas operações de busca e salvamento no Mediterrâneo (…) e a encontrarem uma solução estável para a distribuição dos requerentes de asilo socorridos no mar”.

Ora, habituada a reconhecer tão pouco cristianismo em muitas das políticas e ações do partido que escolheu representar, como podia eu ficar desiludida com o voto deste parlamentar? Já como exemplo da segunda situação devo regressar à primeira década da minha vida.

Recordo a enorme desilusão que senti quando percebi que, na Península Ibérica, a supremacia de Portugal sobre a vizinha Espanha, que me andava a ser ensinada pelos professores e livros na escola primária e que eu sentia nos olhares com que os espanhóis cobiçavam os carros dos nossos pais, tudo não passava de uma enorme falsidade.

Ainda hoje quase sinto o que senti quando, intrigada, questionei o meu pai sobre a proveniência dos carros SEAT que comecei a ver circular, vindos de Castela, e o meu pai me explicou os porquês de eles serem o resultado de uma boa iniciativa da indústria espanhola para incentivar a venda de carros espanhóis, na Espanha do pós-guerra.

Curiosamente, outra das minhas desilusões está também ligada às expectativas que nessa época formei sobre os magistrados da Justiça.

Achava-os eu uns sábios capazes de pegarem no Direito e construírem com recurso à sua formação humana, bagagem cultural e competência técnica, um conhecimento holístico de valor absoluto e por isso não dependente das suas crenças religiosas ou políticas.

Mas oh, que desilusão!

Com o que optam por fazer a alguns e não fazer a outros, mas também com o seu sindicato andam para mim a revelar-se, afinal, como trabalhadores subordinados. Confesso que apesar de não ser muito dada a desilusões, estas duas, que me foram provocadas, por subordinados na Educação e na Justiça, não me deixam em paz. Temo que ambas estejam já a provocar uma preocupante desilusão com a democracia…

*Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990