Opinião

Doces

22 dez 2022 16:11

As Boas Festas serão então uma espécie de desejo de terreno comum para os doces fritos, incluindo de uma forma democrática e territorialmente diversa os coscorões, as rabanadas e as demais indigências dietéticas

Tenho de admitir que tenho boca doce. Nesta altura do ano fico dividido entre filhoses e sonhos. Talvez seja porque se deseja Feliz Natal e Bom Ano Novo, por esta ordem. As filhoses na Consoada e os sonhos no novo ano, por razões óbvias.

As Boas Festas serão então uma espécie de desejo de terreno comum para os doces fritos, incluindo de uma forma democrática e territorialmente diversa os coscorões, as rabanadas e as demais indigências dietéticas.

As melhores filhoses que me lembro de comer, sem desrespeito a todas as outras que comi e as futuras que aceito poderem provar que estarei errado, eram as da D. Conceição, nossa vizinha da minha meninice.

Seja porque apareciam magicamente à porta de casa, cobertas com um pano que desvelava a sua gordice, seja porque a crença mágica no Natal que a minha tenra idade de então fazia-me acordar cedo para apanhar o incauto Pai Natal a descer pela chaminé.

Seja porque desapareciam magicamente no mesmo dia, porque, apesar de haver um acréscimo de langonhice desejável nas ditas cujas do dia seguinte, tinham de ser comidas frescas.

Seja porque a compaixão da partilha, e a boa vizinhança, fazem parte da beleza da empatia humana, e não só um advento mágico próprio apenas desta época do ano.

Já os sonhos são a matéria das nuvens, fritas. Dentro do seu aspecto informe está o ar, aquele espaço para imaginar o que aí vem.

Há um momento que antecede a primeira trinca, ou a única trinca dependendo do que se ambiciona, em que a dúvida da sua consistência interior é desfeita. Comer um sonho é alimentarmo-nos do nosso inconsciente, e aceitar que o devíamos fazer mais vezes ao longo do ano.

Apesar dos abacates e dos kiwis nas estantes dos supermercados quererem provar o contrário, temos de aceitar que há coisas que só existem em algumas alturas do ano. E alimentarmo-nos de sonhos perspectiva o que o próximo ano trará. Seria incapaz de trair a bola de Berlin do Verão.