Opinião

Dores na cabeça

4 abr 2022 12:47

Ao deus Dará

Dois favaios. Quatro minis. Três cigarros. Doi-me a garganta. Deve ser cancro. Que caroço é este? Preciso de dormir. Não consigo. O tempo está sempre a ir. Vejo-o bem. De olhos vazios. Vou deixar de fumar. Começar a correr. Ser outro. Encontrar um lugar para mim e ajustar-me de vez. Amanhã. Estou cansado. Quem és tu? O que é que estás aqui a fazer? Sai daqui. Coragem, fraco. Eu sei bem o que fazer. Só não estou a ir. Como é que vamos pagar isto tudo? Nunca chega. Estou farto de vocês. Não suporto nem mais nada nem mais um minuto. As vozes, as maneiras, o cheiro, a forma, as palavras, o ar, a tromba... É impossível. Às vezes vejo os nós destes dedos a entrar dentro da cara deles. Vocês não? O sangue. O riso. O pânico. Pára perna. Pára de vez. E o futuro? E os miúdos? Será que estão a ir bem? Na vida. Na escola. São bons meninos? Mas o que é que vai ser deles aqui? Nos escombros do que deixamos por detrás do caminho. Mais uma guinada que me dobra. O que é isto? Que picada é esta nos rins? É o coração a ir embora. Aos saltos. Eu sei. É agora. Está feito. Tenho só que os tirar dali da corrente e ir para a natureza. Deixar o trabalho. De uma vez. Sem aviso. Ser outra coisa. Vive tu. Isto é horrível. E não faz sentido. Cansa e pesa e faz doer em sítios que não estão no mapa . E  dizem vocês que só se vive uma vez. É tanto que é demais. Às vezes não consigo parar de rodopiar aqui. Posso só dar uma cabeçada nesse espelho? E partir uma cadeira contra a janela? É grave? Será mesmo? Quanto mais tempo assim? Com os pés na parte preta da calçada. A ver o vôo dos pássaros. Para ti é tudo fácil. Está bem.  Escreve tu. Faz tu. É uma uma seca. E fazer ainda é pior. Não me apetece. Faz tu.  É tudo uma seca desesperante. Um marasmo. Um gin. Uma tosse seca. Aqui na caverna não há luz. Um cigarro. E outro. E outro. E vou deixar de beber. Tenho de deixar de beber. E deixar de pensar em deixar de pensar. Existir como os outros. É uma ratoeira. Um labirinto. Devo estar com uma pneumonia. De certeza. Ou a morrer. Estou cansado mais uma vez. Sem vontade. Da tristeza, do escuro. Preciso de voltar a colocar tudo no sitio onde estava antes. Onde devia estar e não está. Mais para cá. Mais para cá só mais um bocadinho... Três cervejas. Um victan. Respira tu. Inspira tu! Para mim é como qualquer outra coisa, indiferente. Que vivas. Quero lá saber. Tenho é de desinfectar isto só mais uma vez. Aqui. Ali. Acolá. Puxa-me mais para cá esse baú de família que eu não o posso deixar para trás. Empurra. Empurra só mais um bocadinho. Está mais ou menos. Deixa assim. Uma cerveja. Dois cigarros. Procrastinar. Mais três cervejas. Ninguém sabe mas tenho medo de não sair mais daqui. Sem saber para onde. Deixa. Deixa-me estar que tu não sabes o que é isto. É só assim. Nada mais. Tenho muita coisa por fazer. E mais para fazer.  Acredita tu. Faz tu. Eu não faço mais nada. Para quê? Disse alguma coisa errado? Fiz merda outra vez? Mereço eu isto que me calhou? Sem vista. Sem alpendre. Sem mar. Sem chaves. Pobre. Teso. Esquecido. Amanhã não me vou levantar. Está decidido. Doi-me tanto o peito a respirar. Está tudo muito apertado por aqui. Que sinal é este? Não estava cá ontem. Como é que desembrulho isto tudo? Quanto custa? Há dinheiro para pagar a solução? Não vou conversar com mais ninguém. Não faças isso. Está sujo. Não tragas para cá mais pessoas. Falar para essa gente está fora de questão. O suor das mãos na testa em confronto paralisa. Não quero. Não dá. O que é que tenho para amanhã? Aquilo. Aqueloutro. Nada! Muito melhor assim! Devo ter a pressão arterial nos píncaros. Meto um valium? Dois? Só mais um. Uma garrafinha de branco. Fresco. Seco. Um sofá. Uma almofada. O tecto. Medita tu. Acredita tu. Eu estou gordo. Velho. Engelhado. Cada vez mais baixo e ofegante. Tenho vontade de vomitar. Devem ser as metástases a roer cá por dentro. Meio maço. Duas aspirinas. Estou para ficar por aqui mais uma vez. Talvez para sempre. Conheço todo este chão. O pó e a desarrumação deste edifício são uma catástrofe cá das minhas. Só. Nem por cima. Nem para baixo. Não tenho a força nem a vontade de dar a tal volta. Dá tu a merda da volta se quiseres. Eu fico aqui. Ligo a televisão. Vejo a guerra. A pandemia. As pessoas.  Processo-me e desapareço de barriga inchada. Desço para o fim com o dedo em riste no ecrã. E não preciso de mais nada. Porque não quero mais nada. Desculpa só não ter ligado quando morreste. Não consegui. Estava desligado. Estragado. Esqueci-me. E não deu mais uma vez. Um whiskeyzinho, para acalmar. Tu não compreendes a situação. Eu sei que é estúpido. Eu sei. Estou preso aqui debaixo do cobertor e acordo todas as noites sem dormir. Em sobressalto. De um susto. Deve ser cancro. De certeza maligno ou ainda pior. Ou então um AVC. Um fim qualquer. Esquece tu isso. Eu espero que me aconteça outra coisa por acaso. Uma coisa boa que nunca vai suceder. E não vou tomar o que o gajo me disse para tomar. Esquece. Fico pasmado. Apático. Sem alma. Sem sabor. Meio morto. Não quero. Sim, sou um homem, eu sei, já ouvi dizer. Está bem, posso disfarçar um bocadinho. Sair daqui e fingir no meio de vocês. Como se nada fosse. Prometo não bater em ninguém. Só rir de forma falsa. E voltar. O que é que podemos fazer ainda hoje? Posso dizer isso? Está fora de questão ser eu próprio? Assim não me podes ajudar? Também não preciso. Também não quero saber se é normal ou não. Há mais por aí como eu? O que é que isso interessa? O que é que interessa alguma coisa? Vive tu. Consegue tu. Não me interessa. Que muro é este? É novo aqui! É alto e rijo. Não vale a pena tentar. Nunca vale. Um xanax! que dormir, quando se consegue, é um sossego.