Opinião

Em defesa dos animais

9 jul 2018 00:00

Na sequência do artigo sobre os lobos de Yellowstone, publicado no jornal impresso, parece que os direitos dos animais estão na ordem do dia, dando colorido a uma discussão das mais agressivas dos últimos tempos nos foros de opinião, on and offline.

No mesmo dia em que se frustavam as esperanças dos movimentos anti-tourada, o Parlamento, como lembrou o deputado Miguel Tiago, da CDU, votou ainda, pela negativa, um pacote de direitos laborais, que pretendia melhorar as condições dos trabalhadores.

O Miguel, que é meu amigo, embora nunca tenha calhado muito falar de política com ele, está presentemente sob fogo online, no seu Facebook e observar esse foro espontâneo, fora do Parlamento é como observar a nossa democracia em movimento, como ela se debate e organiza, porque ele há argumentos de toda a espécie, de diferentes espectros e cores e com agendas e intentos diferenciados.

Não quero estar nem a meter água na fervura, nem combustível no fogo, mas gostaria de tecer alguma considerações para que, talvez, e só talvez, possa clarificar, ao menos para mim, o que se passa afinal. 
 
Acho correcto afirmar que o PCP é o partido cujo objecto de reflexão e sujeito de acção são os trabalhadores. Está no seu ADN, no seu manifesto e na construção da sua agenda politica e é nessa direção que o Partido caminha, sem se desviar muito do seu percurso, porque a luta entre classes, pelos menos entre a da patronato e a do proletariado, essa é uma luta tão antiga quanto o trabalho e tão futura como sempre. O trabalho é a pedra de toque de qualquer sociedade e, sem dúvida, uma das maiores preocupações sociais e políticas em todo o mundo civilizado.

Ora se o Miguel privilegia divulgar tal facto em vez de acentuar mais um falhanço na complicada legislação tauromáquica, é errado pensar que ele é um insensível. Podíamos antes reconhecer que há sentido de Estado na afirmação dele e de igual modo uma demonstração do dever para com a sua filosofia politica. Talvez o Miguel se queira centrar naquilo que, para ele, é realmente importante e não pode haver mal nisso.

Por outro lado e por necessidade, o Miguel Tiago explicou a sua posição em relação aos direitos dos animais. O resultado não acalmou a polémica, mas teve o condão de sabermos o que o Miguel pensa, exercendo a sua razão de cidadão neste caso, mais do que a de deputado.

O problema é que muita gente desconhece o pensamento da Esquerda, essencialmente, o do PCP e conta com o Partido para dar a cara e o corpo às balas das questões fracturantes, que todos entendemos como importantes e sinais dos nossos novos tempos e preocupações, mas que pela sua simples designação vão aparecendo quase arbitrariamente na opinião pública e nos assuntos do Parlamento. Em todo o caso, exigirá questão mais fracturante que o trabalho?

Como esse apoio não chegou a acontecer e o PCP teve uma posição esperada mas ainda assim incompreendida na questão da tourada, das drogas leves, etc. deu lugar a uma grande desilusão de quem se sente à esquerda e se vira agora para partidos que, ao contrário do PCP, têm uma historia mais curta e como tal maior urgência em preencher esse “vazio” das questões “incômodas” num Portugal que não se entende na dialética das gerações e na luta entre tradição e modernidade.

Falo do Bloco de Esquerda claro. Os Verdes, da coligação CDU, cumpriram com o seu desígnio politico-ecológico ao pedirem a abolição da festa brava.

O problema todo desta discussão é que ela está carregada de questões que ultrapassam a justa agenda dos partidos. É um debate de emoções entre pessoas que vêm na tradição, ou que utilizam a cultura (a liberdade que a mesma implica)  como razão suficiente  para elaborar na defesa da continuidade da lida; e pessoas que têm um profundo e irracional amor pelos animais (todo o amor tem de desafiar a razão), que os consideram como filhos ou famílias, que fazem luto quando eles morrem, e que choram lagrimas verdadeiras quando vêem espetar a espada no touro.

Harmonizar tal batalha parece-me impossível. Conheço pessoas que ficam em casa semanas depois de lhes morrer um cão ou um gato; mas também conheço a triste realidade da caça cirúrgica nos parques naturais, para controlar desequilíbrios que foram provocados por acção humana conforme demonstrei no artigo sobre Lobos na edição impressa do Jornal de Leiria.

Permitam-me sugerir duas coisas:

Um referendo nacional dando o flanco a todo o “exagero” desta acção, o seu custo ao erário público, à possibilidade de um resultado que talvez não reflicta aquilo que nos parece online ser a tendencia (acabar com as touradas).

Aplicar a lei não escrita das democracias: “o mal menor”, o que, pessoal e francamente, aqui nesta situação me pareceria ser (à falta de apresentação de outro argumento social, cientifico que o da tradição) a abolição da touradas e depois como Estado de Direito lidar com quem fosse “prejudicado” pela situação, nomeadamente os trabalhadores que trabalham neste actividade. 

O que temos agora, o que vamos tendo, são pessoas ao ataque e outras à defesa; agressividade de parte a parte. Se se entender fazer algo algo diferente, que todos aceitem o resultado já que saber fazer isso é sinônimo de saber viver em democracia.

E viver em democracia é também não perder o fio a outras meadas, e, à falta de melhor interlocutor para quem não pode (crianças, velhos, animais), sermos nós a constatar o óbvio e a tentar evitar a dor desnecessária a todos eles, coisa que, penso, estarmos todos pacificamente  de acordo.