Opinião

Facebook, o Big Brother amável

22 mar 2018 00:00

E se no Big Brother de Orwell o ambiente era intimidatório e de repressão, nos dias de hoje tudo acontece com a maior das cooperações por parte dos ‘vigiados’.

A notícia de que uma empresa especializada no fornecimento e análise de informação estratégica usou informação confidencial de 50 milhões de utilizadores do Facebook para gerar conteúdos direccionados, muitos deles falsos, para influenciar as eleições norte-americanas a favor de Donald Trump, tem tanto de assustador como de esperado.

De facto, perceber-se que o resultado das eleições para presidente do país mais poderoso do planeta foi condicionado pela manipulação da opinião dos eleitores, a que se juntarão outros casos como o Brexit ou as recentes eleições em Itália, deixará todos quantos lutaram por regimes democráticos, muitos deles oferecendo as próprias vidas, em reboliço nos seus túmulos.

No fundo, o que parecia ser uma arma contra regimes totalitários e autocráticos, através da disseminação de informação, da amplificação de opiniões e do reforço da liberdade de expressão, ameaça ser um pau de dois bicos, deixando igualmente campo aberto para a contra-informação, para a vigilância e espionagem, para o populismo e, principalmente, para a manipulação da forma de pensar.

Nada que algumas das principais personalidades que se dedicam a reflectir sobre o tempo em que vivemos não tivessem já antecipado, sem grandes resultados, diga-se.

O filósofo germano-coreano, Byung-Chul Han, por exemplo, alertava no seu livro Psicopolítica, de 2014, que “prestamos na rede todo o tipo de dados e de informações sem saber a quem, nem a quê, nem em que ocasião ou que lugar cabe esse saber a nosso respeito”, anunciando o “fim da vontade livre”.

Com o decorrer dos anos, estas e outras opiniões olhadas na altura como especulativas ou proféticas da desgraça, começam, infelizmente, a ganhar corpo, materializando-se com contornos que a maioria apenas pensaria serem possíveis em ficção muito criativa.

Começamos agora a perceber melhor o uso que pode ser dado à imensa informação que, voluntariamente, partilhamos na internet, nomeadamente nas redes sociais, com o “quem” e o a “quê”, anteriormente incógnitos, a terem já nomes.

O grande problema, no entanto, é que nem os alertas nem os factos estão a conseguir demover as pessoas de se desnudarem por completo perante o Big Brother dos dias de hoje, parecendo haver uma grande inconsciência quanto ao alcance e ao poder do Big Data.

E se no Big Brother de Orwell o ambiente era intimidatório e de repressão, nos dias de hoje tudo acontece com a maior das cooperações por parte dos ‘vigiados’.

Novamente nas palavras de Byung-Chul Han, para todos reflectirmos, “em vez de confissões extraídas por meio de tortura, tem lugar uma exposição voluntária. (…) Somos nós, que por nossa iniciativa nos expomos e desnudamos”. Há, de facto, que parar para pensar, pois a linha do horizonte começa a ficar desfocada em demasia.

*Director