Opinião

Falar com o tempo - A fugir de Hitler e do Holocausto

5 abr 2018 00:00

Estima-se que seis milhões tenham perdido a vida nessa tragédia inominável.

Várias dezenas de milhar de pessoas de todas as idades e condições sociais atravessaram a fronteira portuguesa durante a Segunda Guerra Mundial, procurando refúgio perante a ameaça nazi.

O período mais dramático desse movimento ocorreu na segunda metade do ano de 1940 e primeira de 1941, detonado pela tomada de Paris e a invasão dos Países Baixos pelos exércitos de Hitler.

O ditador germânico deixara claro, a partir de 1937, que a perseguição a judeus não seria apenas tolerada mas incentivada, com fundamento político-económico e filosófico-identitário. A fuga entrou nas preocupações de inúmeros europeus. Muitos não a conseguiram concretizar ou não a anteciparam eficazmente.

Estima-se que seis milhões tenham perdido a vida nessa tragédia inominável. Como se diz na exposição que visitei recentemente em Madrid (http://auschwitz.net), não aconteceu há muito tempo, nem muito longe de nós.

Temos a obrigação de o recordar, o que impõe, simultaneamente, investigar o tema e dá-lo a conhecer. O contributo historiográfico que Carolina Henriques Pereira trouxe a este dever de memória merece ser sublinhado (Refugiados da Segunda Guerra Mundial nas Caldas da Rainha: 1940-1946. Edições Colibri, 2017).

Acrescenta novos elementos aos que já tinham sido aduzidos pelo jornal Gazeta das Caldas, pelos investigadores editados pela associação Património Histórico (Marina Ximenes, Dulce Soure, Mário Tavares e eu próprio) e pela historiadora Irene Pimentel (Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial. A, 2006).

Apesar de ser uma ditadura, Portugal declarara-se neutral perante o conflito e não adoptara o  anti-semitismo. A sua posição geográfica, atlântica, apontava-o como uma porta de acesso às Américas. Isso explica que os consulados portugueses fossem especialmente procurados pelos que queriam colocar uma distancia segura entre si e os agentes de perseguição e extermínio de Hitler.

As autoridades portuguesas, comandadas por Salazar, procuraram travar essa procura crescente de autorizações, limitando a entrada em Portugal a quem tivesse obtido visto para outro país, e erguendo barreiras policiais à sua passagem. A fim de diluir os impactes da presença de estrangeiros e melhor poder controlar as suas movimentações, o governo escolheu várias cidades do litoral para permanência temporária dos refugiados.

É assim que Caldas da Rainha recebe alemães, austríacos, belgas, checos, espanhóis, franceses, ingleses, luxemburgueses, polacos, e doutras nacionalidades, a partir de Junho de 1940.

A grande maioria foi em situação de puro desespero que aqui chegou: com escassos meios, depois de vencer dificuldades tremendas para entrar em Lisboa. Permanecendo muito embora por pouco tempo, a presença de refugiados teve reflexos imediatos e diversificados na sociedade local, pondo em causa paisagens e rotinas, práticas, percepções e comportamentos. Relatos vividos dessa convulsão podem ser lidos na obra em apreço.

*Docente do Instituto Politécnico de Leiria