Opinião
Fraco consolo
O que aconteceu à ponderação, ao construir de pontes com os materiais musicais e poéticos?
Um vocalista de uma banda Metal dos EUA, David Draiman, dos Disturbed, autografa mísseis que irão cair na já massacrada Faixa de Gaza, um conflito que a todos deve envergonhar, mesmo que não o sintamos na pele arrancada aos ossos.
Um rapper inglês, com roupa de marca e de rasta impecável, Bobby Vylan, incita uma multidão a clamar pela morte dos soldados israelitas, ou seja, de jovens obrigados a matar em nome do seu governo sanguinário.
Em definitivo que existem muitas entrelinhas.
Muita letra miudinha, muita opinião, muito ativismo. Mas a razão, essa, está sempre do lado de quem morre. Fraco consolo.
Considere-se ainda a inevitável habituação ao conflito, à crueldade que nasce, em batalha, em casa, em frente à televisão, aos telemóveis que não cessam de incentivar o ódio que desponta quando temos inimigos, para vender seus produtos.
Mas eu como músico, tenho de perguntar o que aconteceu aos músicos?
À sua vocação pela paz, à sua meta-consciência perante os conflitos, que privilegiava a trégua em vez da acicatação dos ânimos? O que aconteceu à música, que beijava as feridas dos “nossos inimigos”, em vez abrir mais chagas, com o sal dos discursos inflamados que hoje estão com a Palestina (mas não com o Sudão), e, daqui a uns tempos estarão contra ou a favor do que a internet ditar. O que aconteceu à ponderação, ao construir de pontes com os materiais musicais e poéticos, o que se passou com a voz que, de repente, se tornou áspera e condenatória, em vez de conciliadora e construtiva?
Onde estão os músicos a visitar as zonas de guerra, a darem percentagens dos seus cachets às organizações no terreno, a partilhar o dinheiro que à conta da guerra e da sua visibilidade “ativista” começaram a ganhar?
Muitas perguntas sem a luz de mentes que guiavam a música no sentido certo, do imagine all the people… Neste tremendo conflito, feio como todos os outros, a música de David Draiman e de Bobby Villain perdeu uma boa oportunidade de estar calada.
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990