Opinião
Haverá vida real nos contos de fadas e afins?
Imaginam a ansiedade do que é dormir e só acordar com o beijo de um príncipe que poderá nem aparecer?
Gosto de considerar que as páginas em branco que existem nos livros servem as suas personagens. Gosto de acreditar que, nesse vazio, lá se encontram, desabafam, folgam, para regressar, com energia renovada, aos seus contos e histórias. Na verdade, imagino que será mais ou menos, assim, o encontro de protagonistas de contos infantis.
O Capuchinho Vermelho queixar-se-á, certamente, de uma rotina que se resume a transportar comida à avó, que está velhinha, pelo mesmo caminho que faz há séculos, fingindo que se surpreende sempre, à mesma hora, no mesmo lugar, com a aparição de um lobo que a quer comer.
Depois, imagino que partilhará, com todos os presentes, a forma como se encontra esgotada com o facto de ver a sua mãe ser criticada por enviar uma pobre criança indefesa, vestida de uma forma, digamos, pouco apropriada, por uma floresta cheia de perigos. Pior! Tenho certeza que procurará ajuda para ultrapassar o trauma de ver uma avó desaparecer às mãos de um lobo!
E, já agora, e por falar em lobo, imagino o quanto precisará daquela pausa proporcionada por aquela página em branco para se recompor da sua função de vilão? Diz, quem sabe, que um papel desses desgasta bem mais que o de se ser bonzinho, aprazível e gentil!
Eu não sei, mas acho que o lobo tem, até, um bom coração, caso contrário, como se sujeitaria a ser esventrado por um grupo de caçadores, que nem utensílios apropriados para o efeito tinham, e deixar que salvem a avozinha que ele engolira? Acredito que todas as suas cicatrizes, as físicas e as psicológicas, precisem de tempo e descanso para serem saradas.
E a propósito de vilões, o que dirão as bruxas que, em pleno século XXI, ainda voam em vassouras obsoletas, e se sujeitam às intempéries súbitas, e cada vez mais nefastas, provocadas pelas alterações climáticas? Devem estar exaustas. Bem, ironicamente, poderei dizer, que muitas delas já voam, confortavelmente, em aviões, mas isso é outra história!
E, falando em voar, terão as fadas de voz doce, temperada com pó de estrelas, e de zumbido transparente de asas finas, necessidade de dia de folga? Tenho a certeza que sim, que se queixarão de serem perturbadas, na tranquilidade do seu lar, e serem chamadas, a qualquer hora do dia ou da noite, para desfazerem feitiços e afins…
E já agora, de que reclamará quem dorme durante anos seguidos? Terá a Bela Adormecida algo de que se queixar? Sim, tal como sei que dirá, tem tudo para não se sentir feliz. Imaginam a ansiedade do que é dormir e só acordar com o beijo de um príncipe que poderá nem aparecer? Ah, pois! Toda a gente sabe o quanto a ansiedade corrói, desgasta e dói…
Então, e para concluir, continuo a pensar que as páginas em branco de um livro, parecendo vazias, se encontram, afinal, cheias de vida a acontecer e que há vida real na vida fictícia.
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990